segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A grande luta!

Boa noite, caros amantes da luta livre!
Esta noite presenciaremos o embate do século
Do lado esquerdo do ring Alberto Salgado
também conhecido como "BARFLY"!
(público vai ao delírio)
E do lado direto... Álcool
(público vai ao delírio)
ai meu Deus o que será isso?
Parece que ele não veio sozinho...
Sim ele trouxe um segundo parceiro de luta
parece que será uma luta de revesamento...
Mas quem será esse?
A produção me informa que esse segundo lutador se chama
Cigarro!

Bem, muito bem vamos dar início a luta

BARFLY se prepara, ele vai pra cima
ele defere alguns socos contra o Álcool
o álcool parece que não vai dar conta do recado
entra em cana o Cigarro, ele auxilia o Álcool
Eles começam a ganhar espaço
BARFLY parece mais fraco
ele se juntam
Agora estão atacando os dois ao mesmo tempo!
Isso é incrível!
Eles estão dando uma baita surra em BARFLY
mas BARFLY não se deixa vencer tão fácil
Ele revida
ele insiste
ele retoma o controle
mas a dupla se junta novamente
eles começam a atacar insessantemente
lhe golpeiam a cabeça
e ele estáficando tonto
Ele vai pra lona!
E...
Cai, BARFLY caiu, foi ao chão
(público vai ao delírio)
Inacreditável
Eles o derrubaram
o derrubaram
Mas parece que não acabou
BARFLY tenta se levantar
Mas agora é tarde
eles parece estar indo para o golpe final
E eles sobem nas cordas e...
não é possível
eles...
Eles vão aplicar um Ram Jam
Um Ram Jam!
(público vai ao delírio)

E lá vai e...
É acho que é o fim de BARFLY
Agora ele está caído
não se move mais
a equipe vem e o tira do Ring as pressas

É queridos amantes da Luta Livre
A vitória é "Álcool e Cigarro"!
(público vai ao delírio)

(Alberto Salgado)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Enfim...

Hoje o cansaço me venceu
Hoje aquele semáforo
no qual eu nunca paro
me parou

Já fui Belinatti
Siebert
Turim
agora Falavigna
Quando finalmente eu serei eu?

Hoje o cansaço me venceu
Hoje aquele semáforo
no qual eu nunca paro
me parou

(Duda Teixeira)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A mulher da casinha de tijolos.

Mataram a mulher da casinha de tijolos
mataram-na e a esconderam atrás da porta
sua filha chora
Seu irmão diz : Eu vou matar o desgraçado!
Mas quem terá matado a mulher da casinha de tijolos
se não ele?
As crianças na rua
atiram pedras em qualquer estranho que se aproxime
sacodem cacetes e blasfemam
Eu lépido flutuo por sobre elas
Mas quem terá matado a mulher da casinha de tijolos?


(Marcelo Prado)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sozinho

"Suas mãos tristonhas recolhem as cartas da mesa, ele as embaralha e torna a distribuí-las."

Hipérbole emocionista:.
-Ultimamente estive a me questionar: se hoje sou o resto do homem que já fui um dia, ou se esse homem que outrora fui não passava de uma vã ilusão e todas aquelas virtudes, esperança e positivismo eram apenas inocência. Todo o meu ser dissipou-se ao defrontar a verdade, hoje compreendo que a verdade fere enquanto a mentira anestesia a alma flegelada e distorce a dor em virtudes, esperança e positivismo.

"Seu olhar vai ao longe, ele solta as cartas,dá um trago no cigarro e um trago no uísque."

A invenção da culpa:.
-Há uma certa convenção mística a respeito do perdão. Será que o perdão nos exime da culpa? Afinal de contas não muda nada. Será que eu realmente já perdoei? Ou será que me sinto aliviado por alguém estar carregando o peso dessa culpa? Se eu tivesse a chance de mudar o passado e fazer tudo melhor eu faria, mas e se eu tivesse a chance de um recomeço? Será que ao tentar mudar o passado eu obteria um resultado diferente do atual? E se eu tivesse a chance de um recomeço, será que optaria por experimenta-lo ou pela dúvida de não saber como poderia ter sido? Duvido das minhas certezas; sou humano. Será que minha razão poderá superar as minhas emoções? Será que eu racionalizaria as minhas emoções? O mais provável é que eu desenvolvesse sofismas; não menos lógicos do que a realidade é. Tudo me leva a crer que sou pior do que eles, mas com certeza existe alguém pior do que eu. Quando se monta um quebra-cabeça e se obtém um resultado diferente do imaginado é realmente frustrante.

"Ele sacode o dedo indicador, como quem indica algo, levanta, vai ao quarto, some por alguns intantes, volta com um dicionário."

Do vago a algo:.
-Vago: 1. não ocupado, vacante. 2. disponível. 3. que deixa muito a supor. 4. incerto, não fixo. 5. que não tem suficiente precisão. 6. errante, errático, vagabundo. 7. confuso, mal distinto. Ex:"seu olhar era sempre tão vago"
Algo: 1. alguma coisa. Ex: "Seu olhar sempre me escondia algo"
Como posso eu levantar algum debate filosófico mediante a uma situação tão simplória? Me acometem duas possibilidades: 1. Talvez eu seja um homem simplório. 2. todo mundo está pensando de fora para dentro. Quiçá? Ou talvez... talvez eu esteja apenas masturbando meu ego, para simular algum prazer na tentativa de amenizar a sensação de ser um tolo. Em que adianta pensar como um sábio e falar tanto quanto um tolo? Os tolos despejam tudo que sabem sem diligência; vulgarizando a sabedoria. Já os sábios sabem exatamente a hora de se calarem; tornando assim a sabedoria um prazer insigne.
Só os tolos se admiram com a sua própria sabedoria.
Nós nunca pararemos de aprender, mesmo quando estivermos nos esquecendo do que é decente e moral, ou quando estivermos perdendo a razão em decorrer da idade ou de alguma demência, teremos que aprender a nos lembrar do que racional.
Somos universos paralelos em constante expansão.
Somos divagações em ascensão.
Um mundo abastado de pessoas vagas em granjeio de algo.

"É assim que a filosofia se torna barata. Um cara bêbado, abandonado, choramingando besteiras, jogando baralho, sozinho."

domingo, 22 de novembro de 2009

Sábado das moscas

Metade do copo com contini
metade com vinho

"Por isso uma força me leva a cantar"
(Tá bom que isso é um puta plágio do Caetano)
"Mas não há nada de baixo desse sol que já não tenha sido feito por outro"
(Tá bom que isso também seja um plágio, de Salomão)

Mas por que pagar tanto para ouvir o Veloso?
Eu ouço daqui mesmo
da cerca
Bem mais próximo que qualquer um
Além do que
Por que pagar tanto para ouvir o Veloso?
Se eu ouço a Miranda de graça

"Por isso uma força me leva a cantar"
Sinto muito Caê, já me apossei desse verso
Mas seja lá o que for
é o amor
e o álcool
e o free
fresh
Eles formam uma conbinação engraçada

(Alberto Salgado)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sobre o autor

Álvaro Tavares Maia, nascido em 26 de março de 1990, na cidade de Teresina, Piauí, desde muito pequeno revelou inclinação para as artes. Entre o seu nascimento até completar 7 anos de idade mudou-se tanto quanto um nômade, morou em cerca de 6 capitais diferentes, devido a constante mudança de empregos seu pai. Aos sete anos de idade, já em Araguaína no Tocantins, começou a descobrir seu, modesto, talento para o desenho à mão livre, iniciando com trabalhos simples, tais como desenhos animados que retratava da televisão. Passaram-se alguns anos nisso, sua família se mudou novamente, dessa vez para Palmas, no Tocantins. Álvaro só viria a ter conhecimento de outros dotes artísticos na adolescência, no período de 7 aos 15 anos passou apenas como um nerd que tinha aptidão para o desenho, interessando-se também por histórias em quadrinhos, mangás e até ousando em alguns retratos de personalidades. Aos 15 Álvaro viria a descobrir uma nova forma de arte, o artesanato: macramê, filigrana, crochê e alguns outros tipos. Arte na qual não se especializou, nem era tão bom, mas fazia com gosto, e impressionava as pessoas pela vastidão, mesmo que ainda ínfima, de seus talentos. Junto com o artesanato descobriu o mundo, nessa fase da vida conservou os cabelos compridos, vivia cheio de peduricalhos e não tomava banho. Sonhava em deixar a barba crescer, fato que só foi possível aos 18. Passaram-se dois anos, onde neles Álvaro apenas levaria uma vida simplória, sem ostentação alguma. Só aos 17 descobriria uma leve inclinação para o teatro, começando a participar de uma oficina gratuita oferecida pela prefeitura de sua cidade. Aos adentrar no mundo das arte cênicas sua percepção das formas de expressão artística se alargou. Começando aos 17, além de atuar, a escrever alguns contos, manuscritos. Aos 18 terminou o ensino médio, largou o teatro e ficou um período estagnado. O grande sonho de Álvaro era cursar uma faculdade de cinema, coisa que parecia impossível aos seus olhos, por causa de sua condição finaceira. Aos 18 entrou em depressão, e começou a se tornar uma pessoa mais isolada e de gosto peculiar. Desde sempre fora uma pessoa excêntrica, mas nessa época suas manias começaram a se aflorar de tal modo que o obrigaram a procura ajuda de um psiquiatra. O tratamento psiquiátrico não foi necessário,Álvaro encontrou métodos alternativos, como afirma ele. Já aos 19 fez um blog, no qual postaria seus contos, desde os mais antigos; transcritos agora para uma versão digital, até contos com formas e estrutura variadas, que Álvaro aprendera a utilizar nesse ultimo ano. Seu blog se tornou um sucesso entre amigos e conhecidos, circulando na Internet e atingindo ainda algum público em outros estados do país. Ainda aos 19 Álvaro descobriu sua capacidade de produzir poemas, mesmo nada complexos e sem muito impacto. Aos ler Bukowski, diz ele, teve algumas luzes, para iniciar na poesia, sem deixar o conto de lado, e ainda sem abandonar a idéia de um dia escrever romances. Usava de heterônimos, pois assim se sentia mais à vontade para escrever o que bem entendesse. E é nesse ponto que começa a nossa história.

Era uma segunda feira, 9 de novembro de 2009, Álvaro chegara em casa, depois de uma leitura cênica, na qual participara, mas por algum motivo o sono não lhe vinha. Ele passou cerca de 1 hora e 48 minutos rolando de um canto para outro da cama. Levantou-se, bebeu um copo bem fundo de água e foi assistir tv, para seu grande arrependimento. Na tv iniciava-se o programa daquele senhor gordo e engraçado, Álvaro gostava de assisti-lo sempre que possível, mas nessa data se tornou memorável o episódio. O apresentador falava de alguns convidados que receberia, dentre eles um quarteto de poetas que iniciaram a carreira juntos, através de um blog, e que agora estariam lançando seu primeiro livro. Até ai nada fora do comum, até o gordo ditar os nomes dos quatro poetas “E também estarão comigo, quatro poetas ainda jovens, que iniciaram a carreira em um blog da Internet. Alberto Salgado, Flávio Linhares, Marcelo Prado e Duda Teixeira”. Os olhos de Álvaro se esbugalharam, o sangue parou de circular, ele sentiu um frio glacial na espinha, parecia que estava vendo o próprio Satã. Ele não entendia, não podia. Tentou ser racional, se controlar, piscou os olhos freneticamente. Não era possível, ele havia de ter ouvido errado. Sim, essa era a única explicação plausível para tal. Devia ter confundido os nomes, afinal estava cansado e não conseguia dormir, seu cérebro estava lhe pregando uma peça. Álvaro ainda aguardou dous blocos do programa para ver a tal entrevista. Pareceu que o choque que havia sofrido no começo do programa não fora nada diante do segundo choque, o choque da confirmação dos nomes. Não se tratava de uma confusão auditiva, eram realmente Alberto Salgado, Flávio Linhares, Marcelo Prado e Duda Teixeira que estavam no palco do gordo. Mas como? Como era possível que existissem quatro poetas, que começaram a carreira num blog, que escreviam em conjunto, cujos nomes fossem os mesmo nomes que ele usava como heterônimos? Isso mesmo o grande espanto de Álvaro era por tal circunstância. Como já havia sido dito ele usava de heterônimos para escrever seus poemas e agora estava diante de quatro poetas que carregavam os mesmos nomes de suas outras faces. Até ai, sim confessamos, é espantador, mas o que seguiria era pior ainda. O gordo pediu que um dos poetas recitasse um poema, então levantou-se Flávio Linhares e com sua voz cheia de romantismo começou a declamar um poema chamado “Woody e além?”. Álvaro não poderia crer naquilo, agora já era demais! Como podia além da coincidência de nome, haver alguém que escrevesse um poema exatamente igual ao que escrevera com aquele heterônimo? Agora o sangue de Álvaro esquentava dentro de suas veias. A raiva explodia dentro de seu coração. Alguém estava fazendo fama as custas de seu precioso trabalho! Sim, era isso. Essa era a única explicação. Descobriram-no e se aproveitaram de seu anonimato para usurparem-lhe a poesia. Ora bolas, mas isso não ficaria assim. De forma alguma. Ele haveria de fazer algo. De certo os processaria, processaria o gordo, a emissora de tv e quem mais conseguisse, ou estivesse no seu caminho. Nessa noite obviamente ele não dormiu nem um segundo sequer. Acordou cedo e foi trabalhar, sim trabalhava, apesar de seus notável talento para a escrita ainda não obtivera nenhum reconhecimento, por tanto trabalhava em um desses empregos secundários, era recepcionista de um hotel. Chegou no serviço com uma cara de zumbi. A noite havia sido péssima, mas o dia, esse dia, só tinha o que piorar. Ao chegar no serviço, sorrateiramente, acessou a Internet e foi direto a página de seu blog. Assustou-se quando o navegador acusou a inexistência do mesmo, claro que não passou de um erro na digitação do endereço, afinal estava muito nervoso, com mais calma digitou novamente o endereço desejado, agora conferindo letra por letra “www.cistocilicose.blogspot.com”. Logo a página foi carregada, ele sentiu um leve alívio no peito. Viu que estava tudo lá, nem um post a mais nem um post a menos, inclusive os dous últimos textos em que trabalhara na tarde anterior. Ufa! Ele clicou em “Login”, digitou seu e-mail, digitou a senha, porém... Nada, apenas a mensagem “senha incorreta”. Não era possível que tivesse errado a senha, era a mesma para todas a ocasiões. Mesmo assim ele tentou novamente, e de novo, e de novo e de novo, porém sempre a mesma mensagem “senha incorreta”. Ele não sabia se ficava nervoso, espantado, atordoado, doudo, ou o que. Aquilo não podia ser real. Havia de ser um sonho. Não, sonhos não são tão longos. Era previsível que eles fizessem algo do tipo,afinal roubaram seus textos, teriam também de roubar seu blog. Agora não lhe restara nada, ou quase nada, ele tinha alguns amigos que poderiam testemunhar a seu favor, amigos que leram seus textos e que foram personagens de alguns. Sim, nem tudo estava perdido. O necessário era encontrá-los. Primeiro ligou para sua fã mais inveterada: Cleciara, “número inexistente” acusava a mensagem eletrônica. Estranho, haveria ela mudado de número e não o avisou? Logo em seguida ligou para seu amigo de longa data, Lázaro, “numero inexistente", o que não era grande novidade afinal o Lázaro vivia perdendo as coisas pelo caminho. Ligou para o Euzamar, nada, ligou no seu trabalho, a funcionaria o desconhecia.“Será possível que deram fim nos meus amigos?”, pensou ele. Ligou então para o André, Jânio, Werlles, Waylla, Wallissia, Thaise e nada, sempre o mesmo resultado. Desesperado foi a casa da Nana Caê, e para sua surpresa, ninguém, ninguém parecia ter algum dia ter morado ali, nem casa havia no local, perguntou para os vizinhos a cerca da família que ali morava, disseram que nunca houve família alguma ali, nunca houve casa alguma ali. Dar sumiço em uma casa inteira, será que chegariam a tal ponto? Será que sua obra era tão valiosa para que a roubassem descaradamente e ainda acabassem com sua vida e a vida de todos ao seu redor? Ele não podia compreender. Pegou o celular e continuou a discar os números de sua agenda: Pablo, Rafael, Kennedy, Ariane,George, Guilherme e nada, não conseguia achar ninguém. Ligou até para o Anderson (Gaúcho) que não era um ávido leitor mas já havia lido algo no seu blog. Ninguém. Era como se todos eles jamais tivessem existido. Álvaro por fim teve a idéia de acessar o Orkut e o MSN, enviar algumas mensagens para alguns amigos, ver se encontrava alguém na rede que pudesse testemunhar em seu favor. Foi a uma Lan house. Mas nada. Nem sequer conseguira acessar seu e-mail, “senha ou e-mail inválidos” dizia a mensagem eletrônica. Não tinha mais cadastro no Orkut, Hotmail nem em outro servidor qualquer. No momento em que foi retirar-se do estabelecimento, sacou a carteira para pagar a conta e notou, com estranhes, que seus documentos não estavam depositadas nela, no instante nem pensou na dimensão daquilo, simplesmente pagou a conta e foi para casa, muito atordoado. Ao chegar em sua residência deu de cara com portas e janelas fechadas, sem falar no enorme cadeado que proibia a entrada de qualquer um. Pendurada no muro havia um grande placa “Vendo” com um número de imobiliária embaixo. Não ponderou em ligar para a imobiliária e perguntar o nome do dono. Descobrindo ligou de imediato para o mesmo, que não passava de um estranho, que disse haver construído a casa a pouco mais de um ano, mas ainda não conseguira vendê-la. Não, não era possível uma coisa dessas. Como assim a construiu a pouco mais de um ano? Álvaro esteve morando naquela casa nos últimos 9 anos. Pelo menos era isso que acreditava. Fato não bem tão real, como iremos mostrar. Álvaro sentou-se na calçada, pos a mão na testa. Suava frio. Tremia, feito uma vara de bambu ao vento de um tornado. Pegou o celular, apertou o 2, número de discagem rápida que usava para sua namorada. O visor do celular apenas acusava número desconhecido, o número de Luciana não estava mais gravado na agenda. Como não? Quem o apagara? Num segundo olhar Álvaro pôde perceber que nenhum dos outros números de amigos ou familiares constava na agenda, como se alguém os tivesse apagado. Mas quem? Ninguém além dele tocava naquele aparelho. Subiu na “Poderosa”, sua pequenina moto, e foi rumo a casa de sua mãe. Nem foi tanta surpresa não a encontrar no local, muito menos o surpreendeu o relato de uma vizinha que alegou nunca tê-la visto, ou mesmo ouvido falar dela. Inutilmente Álvaro ainda foi até foi até seu local de trabalho. Não o reconheceram, acharam se tratar de algum pedinte, ou algum lunático, ou pior, um drogado. O escorraçaram para fora do recinto. Álvaro não tinha mais a quem recorrer. Simplesmente não havia mais registros de sua existência. Nada. Agora ele era simplesmente nada. Ainda outra vez foi a uma Lan house, imaginou que talvez se escrevesse novos textos e os guardasse em segredo poderia provar que tinha escrito todos os outros, um especialista naturalmente iria reconhecer a estrutura e linguajar usados. Álvaro ainda ficou um pouco diante do computador, parado, os dedos simulavam movimentos de quem digita, mas nenhuma palavra era mostrada no monitor. Ele simplesmente não conseguia imaginar, criar nada. Alguns minutos diante do computador foram o bastante para Álvaro perceber que até mesmo a capacidade de escrever, tanto contos como poemas, lhe fora tirada. Agora sim, já não lhe restara nada. Nada mesmo. Nem identidade, nem família, nem amigos, nem documentos, nem emprego, nem casa, nem amparo, nem idéias, nem consolo e nem dinheiro. Álvaro sabia que na sua carteira não encontraria um puto sequer e que não poderia pagar a Internet que estava utilizando. Como ultima medida decidiu acessar seu antigo blog, que fora saqueado pelo quarteto de impostores, e enviar-lhes uma mensagem, alguma mensagem, não sabia exatamente o que, uma ameaça, uma súplica, não sabia o que, só sabia que devia fazê-lo. Era doloroso para ele ver todas aquelas palavras, que saíram da sua cabecinha, serem atribuídas a um bando de larápios. Ao abrir da página esquecera-se imediatamente da idéia de enviar a tal mensagem, de primeira bateu os olhos no título do ultimo texto postado “Sobre o autor”. Suas pernas enfraqueceram-se, se não estivesse sentado cairia de boca no chão. Seria possível isso, ele não lembrava-se de tê-lo escrito, era um conto, quase uma biografia, contava detalhadamente a história de Álvaro, a sua relação com as artes, como começara a escrever, atuar, desenhar, falava de uma forma fictícia, dando a entender que era apenas um personagem. Álvaro não podia acreditar, o conto narrava desde o seu nascimento até aquele dado momento tão desgostoso de sua existência. O conto narrava a noite anterior, quando viu no programa do gordo os quatro outros poetas, falsários. Narrava o sumiço dos amigos e família, exatamente da forma que acontecera. Ele não podia entender. Será que o haviam seguido, e relatados todos os seus passos? Por fim, o conto narrava o exato momento onde ele escrevia o conto, e enquanto escrevia ria de si mesmo, que era o personagem principal, que lia no seu próprio blog o conto que escrevera. Sua cabeça virou uma loucura. Agora não se sentia mais um ser vivo. Talvez nunca tenha existido. Talvez não tenha passado de um personagem virtual. Digital. Já não sabia mais se havia criado Alberto Salgado, Flávio Linhares, Marcelo Prado e Duda Teixeira, ou se eles o haviam criado. Ele já não sabia o que era real ou não. Onde se limitava a existência. O que era o nada. Se essa voz que ele ouvia na sua cabeça era sua consciência, ou a voz de um dos supostos narradores que ditava sua história, ou se mesmo era a voz de algum leitor que por um acaso, ou por indicação estava lendo o seu, ou não seu, blog. Ele já não sabia de mais nada. Só que agora também era um ser tão fictício quanto real. E que provavelmente nada disso estivesse acontecendo, mas que no fim das conta, esse conto, está se passando apenas na sua cabeça querido leitor, e deixará de existir assim que parar de lê-lo. Por tanto, esse não é o fim, pois ainda ficará na sua memória a minha história, ou pseudo-história, ou conto, como quiser chamar. De como eu escrevi um texto, onde eu mesmo era o personagem principal, onde esse tal personagem-eu lia um conto a respeito de si mesmo, que ele mesmo havia escrito. Confuso não?

domingo, 8 de novembro de 2009

Lar doce lar!

Aurélio e Júlia eram um casal simples, como outro qualquer. Jovens, inesperientes, marinheiros de primeira viagem. Ainda com os estudos por acabar. Família distante. Eram um casal pouco ousado e ambicioso. Não dispunham de grande saldo junto ao banco. Cada qual com seu simples emprego. Aurélio era o tipo sóbrio, roupas com pouco brilho, sorriso sem notoriedade, presença quase que desapercebida. Aquele tipo de lobo em pele de cordeiro, pois longe dos olhares de Júlia enrrabichava o olhos em outras pernas, sem falar da clássica fugida para cerveja com os amigos na quinta. Júlia, o tipo sorridente-educada-séria, sempre foi a gerente do lar, tinha conhecimento de cada centavo que entrava ou saía de suas contas no banco e para qual fim eram utilizados.

O último domingo do mês era o dia em que o casal sentava para fazer um balanço das suas finanças, Júlia como sempre a par de cada detalhe, calculava e recalculava cada tostão. Não que Júlia fossa algum tipo de carrasco ou ditador, não, ela era organizada, e acreditava que a prosperidade era sinônimo de uma boa economia. Júlia começou a tirar papeis e mais papeis de sua “pasta de contas”, começou a narrar os gastos, ganhos, poupos, e eticétera e tal. Aurélio como sempre, totalmente alheio aos numerais, afinal tinha plena confiança na esposa, seria fácil para Júlia passar-lhe a perna caso quisesse. Foi então que Júlia começou a falar “Aurélio, teremos que fazer alguns cortes, por um certo tempo, surgiram alguns gastos inesperados...", então começou a dizer que teriam que cortar isso, aquilo, aquilo outro, e mais, e mais e mais. Aurélio não entendera. Mas como assim não comeremos mais requeijão cremoso? Como assim comprar um sabonete mais em conta? Lan house? Cortar o talefone? Cota de cervejas? Atordoado lançou “Mas o que diabos houve?”. Júlia com um olhar sério e um sorriso de garçonete disse “Aurélio, eu estou grávida”.

A alegria do casal foi tanta nas três primeiras semanas que já nem ligavam pros cortes que teriam que fazer. Aurélio abandonara a cerveja, Internet e requeijão cremoso, nem se importava mais com a marca do sabonete. Júlia já media a barriga a cada cinco minutos e ficava repetindo “Veja Aurélio, acho que minha barriga está um centímetro maior”. A felicidade contagiava a casa, os amigos, a família, o emprego e todos os demais locais que freqüentavam.

Mas nem toda alegria é sinônimo de felicidade. As contas começaram a chegar. Pilhas e mais pilhas de números. Consultas obstétricas não são nada baratas. E como já foi dito: Não dispunham de grande saldo junto ao banco. Mais cortes. Aurélio começou a engraxar os sapatos ele mesmo. Júlia começou a não assistir mais tv, nem a comer aquele lanchinho depois do expediente com as amigas. Aurélio passou a almoçar no serviço mesmo, para economizar gasolina, já levava uma marmita com o almoço de casa. Júlia começou a cozinhar apenas uma vez ao dia para economizar gás. E mesmo com tantos cortes parecia que o dinheiro não dava, as dívidas só cresciam, se acumulavam. O desespero começou a tomar conta do jovem casal, afinal, nunca haviam passado por situação similar. Jamais haviam se sentido tão impotentes diante da vida. Júlia estava na décima semana de gestação.

Não tardou para que começassem as brigas. Aurélio dizia que Júlia devia ter tomado mais cuidado, tomado os anticoncepcionais, que eles não estavam estruturalmente preparados para a chegada de uma criança. Júlia ficava irada a ponto de ter trocado a fechadura da porta três vezes, obrigando Aurélio a dormir no corredor do prédio onde moravam. Aurélio por sua vez voltou a beber, escondido é claro, e até a fumar. Júlia começou a ficar mais paranóica e agressiva, tudo era motivo para quebra-pau.
Em uma tarde, enquanto assistia tv, escondida de Aurélio; pois vivia jogando na cara dele como ela conseguia se abster de algumas coisas enquanto ele só ficava choramingando pelos cantos, viu em um programa de tv, um desses sensacionalistas, que haveria um sorteio, no qual a família vencedora ganharia um prêmio em dinheiro, aliás um bom prêmio, sem falar na reforma da casa e do carro novo na garagem. Júlia não pensou nem sequer uma vez pôs-se a escrever cartas e mais cartas para o tal programa. Pegou um dinheirinho que ela já algum tempo escondia embaixo da mesa da cozinha, para caso de emergência, e enviou uma centena de cartas.

As bolas de boliche estavam lançada, Júlia cruzava os dedos por um strike, todos os dias ficava em frente a tv aguardando o resultado do sorteio. Até que emfim o dia chegou, as assistentes de palco gostosas jogaram as cartas para cima, o apresentador bestalhão fez uma ceninha, pegou a carta, a abriu vagarosamente, puxou para fora do envelope o conteúdo e leu o nome do grande vencedor “Júlia Ueno Pedrosa, do jardim Paulista, São Paulo capital!”. A emoção da vitória atingiu Júlia como um soco do Hollyfield . Ao acordar deparou-se com o teto branco da emergência do hospital, muitos fuzuê, uma andação de gente, e Aurélio parado olhando para ele com cara de bobo.

Tudo ocorreu muito rápido, a produção do programa entrou em contato com Júlia, foram até sua casa, gravaram o programa, ensaiaram o script com o casal, reformaram o apartamento, deram o carro, a grana. E tudo então parecia no lugar, no lugar que deveria estar. Júlia estava na décima quinta semana de gestação. O dinheiro serviu para quitar as contas do casal e ainda sobrou. Sobrou o bastante para alguns luxos. Algumas festas com os amigos. Um curto final de semana em Guarujá. E alguns jantares em restaurantes bem caros. Voltaram a comer requeijão cremoso e a usar sabonetes carérrimos. Tinham novamente Internet. Esbanjavam ao assistir tv e usar toda sorte de aparelhos eletro-eletrônicos. Aurélio podia sair com os amigos para beber sua cerveja, não só nas quintas-feiras, como antes, mas agora duas ou três vezes por semana. Almoçavam onde queriam, cozinhavam o quanto queriam, agora além de tudo que recuperaram, tinham também tv a cabo e até uma lavadeira. Tinham a sensação de ter encontrado ouro nos sapatos, ou petróleo dentro da geladeira. Agora a vida estava como devia estar. O casal não mais brigava, não tinham motivos, tudo era um verdadeiro mar de rosas.

Mas como dizia o poeta, Alberto salgado, nesse tal mar de rosas também há espinhos, espinhos de montão. Certo sábado a noite, quando Aurélio e Júlia jantavam, em um desses restaurantes com vinícola refinada, degustavam suas maravilhosas taças de vinho e conversavam sobre o pentelhozinho que estava por vir, o garçom se aproximou educadamente de Aurélio e disse “Senhor o seu cartão está sendo recusado”, Aurélio olhou para Júlia e indagou “Júlia...?”, Júlia deu de ombros com cara de desentendida. Aurélio não pôde compreender. Ainda tinha algum dinheiro vivo no bolso e pagou a conta com o mesmo. Na tarde desse mesmo dia Aurélio havia comprado um colar de ouro e pedras preciosas com o qual presenteara Júlia, mas sabia que mesmo com tal gasto ainda havia restado um certo dinheiro na conta conjunta do casal. Conta conjunta, essas palavras soaram como um sino na cabeça de Aurélio, que insistiu “Júlia...?”. Júlia avermelhou-se, parecia um pimentão, ficou cabisbaixa e confessou. Sim, havia sido ela, dizia q não pudera resistir, que aquela bolsa de couro de crocodilo a seduzira, que estava uma pechincha, disse que os sapatos combinavam com tudo e que ela faria jus ao preço pago. O casal discutiu pela primeira vez em meses, o caminho de volta foi comprido e nervoso.

Mas assim como uma avalanche pode começar a partir de uma pequena bola de neve, o caos financeiro que abalou a casamento de Aurélio e Júlia também começou ai, com essa bolsa e par de sapatos de couro de crocodilo. Não suficiente que o dinheiro acabasse, Júlia havia pedido demissão uma semana antes do ocorrido, afinal estavam mesmo “bem de vida”. As contas começaram pouco a pouco a se amontoarem sobre o criado mudo do quarto. De novo estavam no vermelho. De novo se foi o requeijão cremoso, a Internet, as cervejas,sabonetes caros, o direito de cozinhar a hora que quisessem, a ainda mais, foi-se também a tv a cabo, a lavadeira, os restaurantes, as festinhas de sábado e tudo, tudo mesmo. Chegaram a um caos, pois as despesas da riqueza eram ainda maiores do que as da pobreza. Sobravam faturas, contas e parcelas aos montes para serem pagas. Novamente o desespero se instalara no casal. Júlia não conseguiria um emprego naquele estado, já estava na décima oitava semana de gravidez. Aurélio de forma alguma iria conseguir algum tipo de aumento de salário e a idéia de um empréstimo o deixava com medo. Foi então que Júlia teve uma idéia, pensou em talvez entrar em outra promoção, talvez ganhassem, afinal eram “pessoas de sorte”. Então começaram a escrever dezenas de centenas de cartas, mas dana, nenhum resultado, obtiveram apenas mais gastos, agora com correios. Júlia teve cara de pau de ligar na produção do programa que os premiara de inicio com um papo mole de piedade e blá blá blá, mas não caíram na sua conversa e logo desligaram na sua cara, ela ainda retornou outras vezes, mas a produção proibiu a telefonista de passar qualquer outra ligação que viesse da mesma da parte de Júlia. Júlia obrigou Aurélio a se humilhar ainda uma vez, tentando ludibriar os produtores, mas o resultado não foi diferente.

O meses foram se passando e as coisas começaram a apertar, tiveram de fazer inúmeros cortes no orçamento. Agora sobreviviam apenas do salário de Aurélio. A tensão crescia dia a dia, as discussões se tornavam cada vez mais calorosas, bate bocas, brigas em alto tom, tom tão alto que foi chamado a polícia umas duas vezes ainda para conter o casal. As contendas chegaram ao ponto de um arremessar qualquer coisa que visse pela frente contra o outro. Nisso Júlia já estava na vigésima nona semana de gravidez.

As coisas chegaram ao ponto de Aurélio ter de vender o carro que ganhara no programa para quitar algumas dívidas com despesas médicas e outras coisas mais. Agora estavam na lama. O dinheiro não dava. Começaram a vender os móveis, sofá, geladeira e demais coisas que haviam ganhado no tal programa. Mas a pindaíba não findava, e não findaria enquanto Júlia não pudesse voltar a trabalhar. Após o nascimento do pequeno pentelho ainda haveria de se passar pelo menos mais seis meses para isso.

Aurélio e Júlia então decidiram, forçadamente, a tomar uma atitude drástica, decidiram que seria melhor Júlia ir morar com os pais no interior até ter o bebê, alugariam seu apartamento para um terceiro e Aurélio passaria a morar numa quitinete no subúrbio. E assim foi feito. Isso já na trigésima primeira semana de gestação.

Júlia e Aurélia ficaram cerca de um mês sem se ver. Falaram apenas uma vez ao telefone. A despedida não foi muito bonita, apenas um beijo seco e um até logo. Júlia triste, na casa dos pais, permanecia cabisbaixa, se sentia derrotada, envergonhada, perdera tudo e agora jazia na mesma cidadezinha de onde fugira anos atrás. Aurélio vivia bastante largado, comia pouco, ia para o trabalho de ônibus, pois também teve de vender o seu outro carro. Mas de certo agora não saia mais apenas nas quintas para beber com os amigos, pois passou a sair todos os dias, de segunda a segunda. Logicamente teve de trocar a cerveja pelos destilados e fora obrigado a fumar apenas cigarros ganhados nos botecos. A falência se acometera a vida de Aurélio e Júlia. Não tinham mais seu apartamento, nem seus carros, nem dinheiro, nem sequer um ao outro, nada.

Foi num madrugada de terça-feira que o celular de Aurélio tocou, como sempre relutou em atender por não conhecer o número e achar que se tratava de cobrança. Mas por fim cedendo a curiosidade recebeu a tal ligação. Sorte a sua, pois na linha uma voz lhe disse “Aurélio? Aurélio é você? Aurélio, aqui é o Bosco, Aurélio parabéns agora você é pai! É um lindo menino. Parabéns!”. A noticia deixou Aurélio desbaratinado. Não foi de imediato visitar seu recém-nascido filho. Esperou até sábado, quando fez a barba, as malas e partiu para o interior. Chegando foi sorrateiro e desapercebido até a casa dos seus sogros. Chegou, foi bem recebido. Umas das sobrinhas de Júlia guiou-o ate o quarto onde ela se encontrava com o bebê. Aurélio foi a passos curtos pelos corredor da casa, parou diante da porta deu umas espiada, pois a mesma se encontrava semi-aberta, respirou fundo e adentrou o recinto.

Ao entrar, deparou-se com uma cena inesquecível, Júlia deitada a cama segurava o bebê no colo, sorria alegremente e o ninava. O bebê era cabeludo, de cabelos claros, tinha as faces rosadas, e era bochechudo, mas não de forma exagerada, mas de forma que fizesse qualquer um desejar apertar aquelas bochechas. Aurélio ficou parado por um instante diante da cena, a muito não via Júlia tão linda e tão alegre. Júlia o olhou, sorriu e disse “Então que nome poremos?”. Aurélio sentiu o coração entre as amídalas. Caminhou até o leito, ajoelhou-se próximo a Júlia e o bebê e com voz trêmula disse “Eu te amo”.

As duas fases do álcool em uma determinada pessoa


O, C2H5OH, álcool etílico, é o elemento mister na preparação de qualquer composto de cunho alcoólico, que seja próprio para o consumo à seres humanos. O álcool causa efeitos diversos, em seres humanos diversos, aflora desde a tristeza mais recôndita até os desejos mais orgiáticos que possam haver em uma pessoa. O seu consumo, á longo prazo e em quantidades demasiadas, pode causar uma série de seqüelas, muitas irreversíveis, tais como: perda de memória, falta de concentração, e a perda da capacidade de assimilar novos conhecimentos. Ainda, pode causar cirrose, e também levar a morte por ser o propulsor de algum acidente.

Os 10 primeiros minutos:
Lá está ela, sentada, naquela mesa, num café no centro da cidade. Ela é o tipo de pessoa que sabe se sair bem em uma conversação. Educada, refinada, informada. Mas nada com excessos, nem por falar demais, ou achar demais, ou se impor de mais. No fim é alguém agradável para se conviver. Sempre bastante discreta quanto aos sentimentos, pensamentos, planos e idéias. A menos que você consiga dardear seu coração e ganhar sua confiança, entrará e sairá do cinema como quem não entendeu o filme. Mas como sempre digo “Nada melhor do que a Lager pra fazer uma mulher falar”. Eu aqui sentado, na cadeira que se encontra do lado oposto ao dela na mesa. “Duas Lagers, por favor?”, eu sei que é a sua cerveja favorita, e sei que não é preciso mais que uma garrafa para deixá-la a vontade. Peço-lhe um cigarro, “Um F. F.”. É agradável, do primeiro ao último trago. Eu apenas a observo, falo pouco, algumas piadas, então chega a Lager. Um, dous, três, quatro, cinco goles da cerva, e ela olha pro lado esquedo, como quem vai pór a mão na testa, sorri. Um sorriso engolido, quase aprisionado. Eu automaticamente sorriu também. Então, começa a sessão do riso. Eu mando um “Haha” de cá, ela responde com um “Hum hum” de lá. Em um momento ,constrangedor confesso, eu digo que estou com frio, ela me empresta seu casaco, que não fica nada bem em mim, é muito justo, ela fotografa a cena, que entrará para os anais das piadas de sábado, eu paraço um pseudo-clodoviu, isso sim. E por ai vai a conversa. Os devaneios começam a se aflorar, os planos começam a serem revelados, os amores bem ou maltratados, e os sentimentos verbalizados, em forma de palavrões. Ela continua e engolir sorrisos. São quatro da tarde. Chove bastante. Ela continua a engolir sorrisos. Eu me levanto e digo “Vou a toilette”.

Os dez minutos seguintes:

Eu fico parado no banheiro, me adimirando no espelho imaginário, e penso comigo mesmo “Gostaria que a Natacha estivesse aqui”. De retorno a ala de fumantes, encontro a senhorita Miranda, olhado o nada, e me olhando ao mesmo tempo, pelo menos é essa impressão que me causou, ela carrega uma expressão que eu gosto de chamar de “Cara de Marlon Brando”. Antes mesmo de me sentar, pergunto “Por que essa cara de Marlon Brando?”. Ela responde “Não é cara de Marlon Brando. É cara de desespero”. Eu retruco “Pra mim é cara de Marlon Brando”. Ela lança seu zap na mesa “Então acho que todos tem cara de Marlon Brando!”. Eu olho para baixo, e fico pensando. No quê? Eu realmente não sei. Ela olha para o lado esquerdo e fica pensando. No quê? Eu realmente não sei. A conversa daí pra frente soa avulsa, sem sentido, nexo. Apenas palavras ao vento. Ela por instantes parece não estar mais ali, então como um meteoro cai direto nos meus olhos com seus olhar de boneca de porcelana. Nesse dado momento é que reparo o quanto seu olhar é inquietador, reparo a reentrância que tem no nariz. Os sorrisos foram todos soltos. Agora parece que ela engole o desespero, e engole bem. Talvez esse seja o jogo do “Chupa e engole”, só que versão freudiana, com um pouco de Lager. Ela diz que não consegue beber mais. Eu finalizo sua Lager. O cinzeiro, em forma de xícara de madeira, já transborda com a inumérie de quimbas. Eu a olho, ela me olha, eu digo “Acho que é hora de irmos embora, já são cinco”. Ela continua o árdua tarefa de engolir desespero. Que para mim é tão doloroso quanto engolir espadas. Chove mais agora. Ela continua a engolir desespero.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Conselhos de um velho sábio bêbado

O que você quer?
O que você espera da vida?

Vou perguntar de novo

O que você quer?
O que você espera da verdade?

Espera que a vida lhe ensine?
Que a verdade
arreganhe as pernas pra você
como uma dessas senhoritas de cabaré?

A verdade é que a vida não ensina
a vida não ensina qual é a verdade

Você espera o que?
Que a vida lhe abra a cabeça?

Abra-a você mesmo
Seja homem e encare as consequências dos seus atos
Faça escolhas
Cometa erros
Erre muito
Só assim se aprende
Nunca tenha medo de cometer o mesmo erro duas vezes
Nem tenha remorso por tê-lo feito
Nunca tenha medo de parecer um idiota
O pareça se necessário
e tenha certeza que parecerá
mesmo sem querer
várias vezes
Nunca deixe de ser você mesmo
Mesmo que isso foda contigo
Mesmo

Eis aqui uma verdade:Você sairá dessa vida tão nú quanto entrou
É isso mesmo
Não fique achando que a sua ética
ciência
e religião
o tornarão um ser humano melhor
Não tem como ser melhor do que humano
Não tem como um humano ser melhor
Nós não prestamos

Mas deixemos isso de lado
O ideal é que você finja
estar em harmonia
com uma baboseira qualquer
mas cuidado para não enganar a si mesmo
Pois o homem que engana a si mesmo
é ao mesmo tempo um sábio e um tolo
Sábio
por ter persuasão
tamanha
a ponto de convencer a sua própria pessoa
Tolo
por ser igênuo
o bastante
para ser enganado
por uma sábio qualquer
Tal como
um velho
sábio
bêbado

(Alberto Salgado)

Três por quatro

Eu me tornei sóbrio
sóbrio demais
Inseguro
inseguro demais
Cansado
cansado demais
Maduro
maduro demais
Adulto
adulto demais
Capitalista
capitalista demais
Medíocre
medíocre demais
Santo
santo demais
Enfim sozinho
sozinho

Eu me tornei poeta
poeta de menos
Criança
criança de menos
Sonhador
sonhador de menos
Cristão
cristão de menos
Bêbado
bêbado de menos
Pecador
pecador de menos
Feliz
tudo isso
menos feliz

(Marcelo Prado)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Aqui se faz, aqui se paga!

Me tiraste o pensar e a concentração
Por isso, eu os tiro de ti também

Me tiraste o fôlego, suspiros e o ar.
Por isso a faço suspirar
e se não a faço
farei

Me tiraste o juízo e a sensatez
Agora sou um romantico insensato
descabido
Mas não falo isso com pesar
falo por me declarar

Ainda mais me tiraste
me tiraste o fluxo sanguíneo das veias
sinto meu cérebro desoxigenar
Por isso, se assim também se sentires
não te apavores
logo te acostumarás

A recatez
que pouco me sobrava
mas ainda existia
essa também já perdi
Tu bem o sabes
pois fiz me declarar a ti em um livral
lotado de passantes observadores

Por tanto
se contra ti revido e invisto retaliações
não o faço por vingança
mas por amor
Por quanto tudo que me tiraste
por cousa alguma lamento o estravio
Quando venho a ti
tirarte essas mesmas cousas
é porque quero que sintas o que sinto
que vejas o que vejo
E quero que me digas

Afinal o que é esse fogo que em mim arde?

Esse "fogo que arde sem se ver"

Será o, mito, amor?

(Flávio Linhares)

sábado, 17 de outubro de 2009

Ciclo vital – O grand finale

Seria mais ou menos assim, como que por sorte ou por advento do destino, eu haveria de ter passado pelo menos uma semana de ocorridos vastamente memoráveis á todos que estivessem ao meu redor. Uma semana, seria isso que pediria ao Pai celeste, ou seja lá qual for seu nome, ou seja lá o que é essa força que rege o universo. Mas de fato, sei que poderia ser pedir muito. Talvez o ocorrido se passasse na primeira ou segunda semana de janeiro, natal e reveillon são oportunidades ótimas para se entrar nos “Anais de casos engraçados da família”, é claro que começar o ano com a perda de um ente querido não é maçã-bananinha. Sim, acho que gostaria de morrer em janeiro!

Primeiro veio a minha caxola que seria menos doloroso e mais rápido morrer em um acidente, sim morrer em uma colisão frontal em altíssima velocidade, pronto, fim, mas por conseguinte me veio a visão da notícia ao chegar aos meus entes queridos, meu esposo, filhos (caso eu os tenha até lá) e familiares em geral. Imaginei, a cena de desespero, nesse tipo de acidentes, além da destruição de uma ou mais famílias alguém também sairia criminoso, o que seria um desfecho trágico para mim, trágico demais até. A cena do velório seria carregada de ódio, rancor, de lágrimas e indagações. Caixão fechado, isso com certeza aumentaria a dor, ser privado de um ultimo adeus á pessoa amada. Por isso, talvez uma morte mais clássica, clichê, fosse a melhor saída. Seria um dia como qualquer outro, um dia quente e carregado de secura, as crianças no quintal, ou ,não sei, talvez já fossem de idade suficiente para ter cada qual sua própria família. Meu esposo e eu assistindo á algum programa estúpido de domingo, relaxando nossas mentes de toda a metafísica existencial, e blá blá blás que cerca nosso mundículo. Talvez eu dissesse “Meu bem, tá um calor horrível, pega algo pra eu beber?”, ele como bom cavalheiro que é, assim espero, se levantaria prontamente, esquecendo-se da artrite e outras fadigas que assolam seu corpo velho (sim, espero já ser de idade avançada quando se passar o ocorrido) iria até a nossa cozinha, apanharia algo que me fosse aprazível. Mas ao retorno se depararia apenas com minhas carnes flácidas e enrugadas, estiradas no chão, ou mesmo no sofá, ou talvez próxima ao umbral da porta, sem vida. A expressão facial com a qual gostaria de me despedir desse mundo seria uma de paz, talvez isso servisse de consolo aos que me gostam. Eles diriam “Ela morreu em paz!”.
Gostaria que alguma dúvida pairasse sobre a minha fulminante morte, gostaria que coisas do tipo “Dizem que morreu de tanto rir” fossem ditas, ou “Assustou-se ao ligar a TV, depois de muitos anos sem assisti-la, e ver que Fausto Silva ainda era vivo” (se fosse Silvio Santos, tenho certeza que vocês também morreriam de susto, ou a Hebe).
Mas por fim, a verdade é que o tempo me levara o ultimo fôlego por falta de haver mais numerais na data de validade da minha embalagem. Os, átrios de meu decrépito coração começariam a se contrair e bombear o sangue no sentido oposto ao correto, causando fibrilamento no semi-átrio lunar, as válvulas não seriam capazes de estabilizar essa torrente de sangue que viajava as avessas, o que me levariam a uma morte rápida, seria como a pontada de uma agulha. Fim. Estaria findado assim meu ato, meu show, meu número. Deixaria alguns descontentes, outros saturados. Mas deixaria a vida na medida, assim espero.
Espero que meus chegados, entendam o porque de eu não querer velório, coisa que já aviso a muitos, tantos quanto posso, para que não haja dúvidas. Velórios são deveras tristes, onde deveriam haver homenagens existem por sempre lamúrias e desespero. Quero que entendam, que ali já não serei mais eu, e que se lembrem e cultivem apenas as imagens que de mim tiveram enquanto viva.
Do funeral, o funeral seria modesto, sem muitos fre-que-quês, gostaria de ser enterrada na fazenda da família, no Pará, nada contra cemitérios, mas é que assim me sentirei mais a vontade, em casa. Como epitáfio, e isso é muito importante, gostaria que constassem crivadas em minha lápide as seguintes palavras “Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte. Jo 8:51”
Assim espero me despedir da existência física, espero partir deixando muitos inquietos, espero ter incomodado e estimulado muitos, espero não ter deixado nada para depois, nem arrependimentos ou coisas incompletas. Espero que meu fim não seja apenas mais um ponto final, mas que seja uma vírgula para uns, uma interrogação para outros e ainda uma exclamação para alguns. E quem sabe, talvez ainda, para aqueles que imaginam uma vida pós morte, uma reticências.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O caso crônico de um peão-pião

Rodopiar

O tempo é enrolado
o patrão tem me enrolado
a greve... tem me enrolado
a vida tem me enrolado
(nos rodeios
sou eu quem enrolo, laço e amarro)
mas nos rodeios
rodeados
de voltas
que é o tal
amor
ninguem tem me enrolado tanto
quanto ''uma certa alguém''

Ela sim tem me enrolado

Chegou com muita conversa
sem muito falar
tão nada explicou

Só sei como se chama
e quanto calça

35

Mais nada

Eu a chamo de estranha

Só isso

Laços
cordas
nós
amarras
É,ela tem me enrolado

Tem me enrolado
nos laços
dos leus lábios
sempre que sorri
nas cordas
de seus belos cabelos
sempre que me proporciona o prazer de revê-los
nos nós
que faz com as mãos
enquanto fala
tímidamente
nas amarras
que encabrestaram e estabularam esse peão
É, acho que ela tem me enrolado

O primeiro peão laçado

Rodopiar
já não é um problema
já não vejo assim
Sempre que sou arremessado ao chão
faço meu papel de pião
rodopiar
mas quando as voltas acabam
e o babarte acaba
já me sinto sem função

Do que valeria esse pião
sem quem o enrolasse?
Nada
seria apenas peso de papel
Quero ser enrolado
rodopiado
e amarrado de novo

Sempre fui pião
não peão
Só não percebia

(Flávio Linhares)

Poeta, ou o retrato de algum poeta

A maior vergonha dum poeta
é quando o descobrem
e descobrem quem ele é
o descobrem de trás de seus versos
e o constrangem com isso
ele se sente desarmado
por não ser o que fala

Ele não fala do que vive...

Mas quem se importa?

Sejam os versos
singelos
alexandrinos
decassílabos
ou comtemporâneos
são só versos
são personagens
da cabeça do poeta

Por isso
Deixem os pobres poetas em paz!

Eles não são pessoas interessantes
isso é difícil de se ser
e se fossem
não serim poetas
seriam ricos
empresários
burgueses
conquistadores

A imortalidade dos versos
esconde o ser humano frágil
que é o pensador
No fim
apenas um mortal
Um pobre poeta

(Duda Teixeira)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Raiz forte

Estou tentando tirar o álcool
a nicotina
e o alcatrão ,do meu sangue

Mas eles já se arraigaram
tanto
quanto
o conformismo barato
que se vende nas esquinas
arraigou-se
aos seres
dessa
sociedade
industrializada

(Alberto Salgado)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Woody e além?

Eu sou um romântico ridículo
mas que romântico não é?
Eu sou um romântico ridículo
e amo isso
muitas vezes sofro por isso
mas amo isso
Por quê?
Por que vale a pena
vale muito
a experiência é única!

Sempre preferi o ímpar ao par
Me apaixonar, não me apaixonar?
Paixão
Tentar, não tentar?
Tentativa
E vale a pena
O que não vale a pena
é viver de forma medíocre
cheio de limitações inventadas por nós mesmos

Vocês já viveram uma paixão
daquelas que te vira a cabeça?
Sabe, que tira seu planeta do eixo

Eu tenho vivido isso
um antigo novo amor
nem sei o que pensar
Não sei se ainda sou calvinista

Não sei de mais nada
Só sei que trocaria todas as mulheres do mundo por ela
Trocaria de cidade
emprego
hobbies
e tudo mais
Mas o melhor de tudo é saber que eu não precisaria
Isso sim talvez seja amor

Só retificando, quanto as outras mulheres, delas eu teria de abrir mão
e abro com gosto
(Flávio Linhares)

Étrange

"Étrange

peut-être pourquoi si A doit

Étrange

Peut-être si charmante

Étrange

Peut-être c'est pourquoi je l'aime tant

Étrange

mais qui s'en soucie, avec un sourire de ceux qui pourraient être ce qu'il voulait

Étrangement, déjà dit l'étranger

Étrange"

(Flávio Linhares)

Tempos mais fáceis (ou "Tempos menos difíceis")

Lembro-me do tempo
quando a segurança vinha do âmago
quando as experiências
forjavam o caráter de uma mulher
e a palavra
valia alguma coisa
Minha vó me contou sobre esse tempo.

Me disseram que eu tinha cabelos cacheados demais
inveja
Me esqueci como os cabelos cacheados são belos
Alisei os meus inúmeras vezes

Me disseram que as gordinhas não eram bem vistas
crueldade
Bulimia é uma doença
mas a gente só descobre do pior jeito

Me disseram que eu tinha cara de nerd
que eu era espinhenta
e por isso nenhum garoto ia me querer
Paradigma
Nem me lembro mais o gosto de uma paixão
de um amor platônico

Me disseram que eu dançava mal
não me lembro por quanto tempo não ousei dançar

Me disseram que eu desenhava mal
não me lembro por quanto tempo fiquei sem riscar o papel

Me disseram que eu tocava mal
nem me lembro por quanto tempo meu violão ficou empoeirando no canto do quarto

Me disseram que eu cantava mal
nem o pobre chuveiro ouvia mais minha voz ultimamente

Me disseram que as nuvens não eram de algodão...

Me lembrei do que minha vó dizia
que ouveram tempos em a segurança vinha do âmago
que as experiências forjavam seu caráter
que as palavras valiam, e valiam muito

Ontem me lembrei
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

Ontem assumi meu cabelo
Dexei que suas ondas surfantes criassem inveja até mesmo as do Havaí
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

Ontem assumi meu tipo físico, oras sou assim, e sou linda assim
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

Ontem dei encima dos rapazes mais lindos do bar
ontem fui á caça, fui a dama de vermelho
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

Ontem dançei á beça
segui o conselho de uma amiga
ahora soy una dama a bailar
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

Ontem desenhei todas as minhas "amigas" bichas
e "elas" amaram, disseram que as caricaturas ficaram "mara"
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

Ontem subi no palco
e pedi uma palhinha
puxei "Wish you were here"
toquei com vontade
sem vergonha
me esguelei
e amei fazê-lo
...me lembrei que as nuvens não eram de algodão

ontem me lembrei quem sou
ontem me lembrei de minha avó
e do que ela dizia
ontem me lembrei de tempos mais fáceis, ou tempos menos difíceis


(Duda Teixeira)

domingo, 4 de outubro de 2009

Estudo sobre poluição

Os reis e a poluição

Profanaram a santa terra

Tantos carros, indústrias, fábricas, incêndios e eticétera e tal
poluíram a santa terra

Tantos outdoors
poluiem minha visão
vejo o mudo torpe
diferente
indiferente
pensado por outra cabeça que não é a minha

Tantas músicas
poluem meus ouvidos
poluem nossos lares
poluem nossas crianças
conspurcam a própria e soberana música

Tantas regras
poluem a justiça
maculam sua virgindade
que deveria ser intrincável

Tantos livros
tantas palavras
enodam a ignorância
A ignorância também é um tipo cultura

Tantas igrejas e religiões
profanam e comercializam a verdade
verdade que não conheço
aproveitam-se da inocência
deslustram o divino

Tanta poluição
me poliu
poliu minh'alma
polui minha visão
polui meus ouvidos
polui munha mente
polui meu espírito
me polui por inteiro
já não terei mais serventia

Como despoluir alguém?
Se souber me diga por favor

Estou poluído
você está sendo poluído
Estamos todos poluídos.
(Marcelo Prado)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Parem vozes!

me dizem o que beber!
me dizem o que fazer!
merda!
me dizem como me vestir!
me dizem como andar!
como isso!
coma aquilo!
beba aquilo outro!
seja isso!
seja aquilo!
seja!
não seja!
deixe de ser!
o que querem afinal?
será tão engraçado?
bosta!
não eh engraçado
não!

Afinal o quê é isso tudo?

Do que se trata?
vida?
morte?
sexo?
dinheiro?
do quê?

não importa!
se tem um fim
não importa!
sem não tem, também não importa!
afinal irá continuar mesmo!

mas até quando?

até quando
fingiremos não nos importar?

até quando fingiremos controlar o destino?
até quando?

Como saber?
Nem sequer sabemos qual o prazo de validade carimbado nas nossa costas...

(Alberto Salgado)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Behaviorismo

Assim que nasci, me jogaram dentro de minha pequena jaula
Me olhavam, faziam suas caretas ridículas, falavam sua línguas estranhas
e discutiam, discutiam o meu futuro
Eles: os homens de branco

Eu ainda era um pequeno rato
três ou quatro anos de idade
eu dizia que queria ser presidente
eles diziam que eu deveria ser médico ou advogado
que eu levava jeito

Eu crescia dentro da minha jaulinha
e eles me diziam como andar
como me vestir
como comer
como me portar
como cortar o cabelo
mas nunca me disseram como pensar
imaginar
crer
amar
esperar
suportar
nunca...
nunca me disseram
Eles só me diziam "Rato faça isso, rato faça aquilo!"
"Rato, rato, rato..."

Eu cresci
e comecei a perceber que a minha jaulinha estava ficando pequena
pequena demais na verdade
eu quis sair
mas não era possível, não ainda
eles me diziam que era muito perigoso

Certo dia uma gata chamada "Vie" interviu em nossas vidinhas
tirando-nos de nossa zona de livre conformismo

Eu cresci mais
e coisas estranhas começaram a crescer em minha cabeça
eu tentei esconder
mas era difícil
era muito perceptível
os outros ratos na escola já começavam a me olhar torto
Na minha cabeça começavam a crescer asas
eu cheguei a arrancá-las
mas era inútil
elas cresciam de novo
e de novo
e de novo

Asas

Não parou por aí
Eu não parei de crescer
Até que minha jaulinha se tornou pequena a ponto de não me comportar mais
pus meus braços para fora
todos os outros ratos gritaram "Não faça isso, seu louco!"
Mas eu não tive medo
comecei a caminhar próximos as ratoeiras
comecei a desafiar os gatos
Eu nunca fui um simples rato
eu não sou simples rato

Passaram-se alguns anos de aventuras e desventuras
Fui dilacerado, estripado e caçado
Não minto, sofri bastante, mas também me diverti

Os homens de branco insistiam que eu pegasse o queijo
insistiam que eu deveria esperar as luzes acenderem
insistiam que os choques eram o caminho errado
Mas sempre fui o tipo de rato que morde o queijo até que pifem os fuzíveis...

Tentaram me condicionar... me condicionar seria impossível
Me tiraram o que eu tinha, varias vezes
Tentaram extinguir minhas esperanças
Tentaram me condicionar... me condicionar seria impossível

Descobri não ser o único
descobri que existem e existiram mais ratos como eu
ratos alados
Que não se limitaram as suas jaulas
Que não se limitaram a conhecer apenas as muitas salas de seus laboratório
Ratos de fibra
Que se jogaram janela a fora
e saíram voando pelo mundo

Hoje aqui estou a beira de minha janela

Uma última olhada para o laboratório

É hora de voar, aqui vou eu!
(Marcelo Prado)

(Por Anderson Bedin)

Transporte público! (É Público?)

Transporte Cúbico... (E não é?)

Transcorte Múltiplo... (Pois é...)

Transporte Estúpido... (Que o diga o povo...)

Transmorte Súbito. (...)

domingo, 20 de setembro de 2009

Verfluchte Liebe

O amor vem e vai
vem e vai quando bem quer
vem quando bem me quer
vai quando mal me quer

O amor
o amor é uma vadia controladora
é uma daquelas mulheres experientes
que nos arrasta na coleira
o amor!

maldito amor
amor maldito

maldito mas querido
querido amor

Me arrastou
me arrastou tempo demais

Há os que digam que ele possui o sabor de fruta mordida
hmn!

O amor
me menosprezou tempo demais
hoje será diferente
hoje eu vou menosprezá-lo
hoje irei olhá-no na face e fingir que não o vejo
vou virar a cara
vou olhar para outros sentimentos
Talvez eu dê bola para paixão
a paixão
a paixão é uma puta fácil
fácil mas pode servir
hoje
hoje essa puta vai servir

Hoje não vou dar bola pro amor
hoje vou me fazer de difícil
ele vai bater na porta
mas não vai entrar
hoje não vou dar bola pro amor
hoje ele não valerá nem um puto sequer

Hoje vou me perfazer de seguro
firme
sem amor
Hoje vou fingir que não há amor
que não acredito no amor
vou fingir!
fingir...

Maldito desejo de amar
sei que não vou me aguentar
mas pra início de conversa
eu vou fingir que sim
vou fingir
hoje eu vou fingir que não amo o amor
(Flávio Linhares)

sábado, 12 de setembro de 2009

Não quero mais essa vida pra mim!

Essa vida noturna
soturna
sempre na ponta dos pés

Lépido
flutuante
perdido

Não quero mais essa vida de "Barfly"
alcoolizado
encharcado
maltrapilho
caindo pelos cantos
rejeitado
largado
com bafo de fumaça

Não quero mais a noite
sexo, drogas e rock and roll
rock and roll, drogas e sexo
Eu sou um bom rapaz
Não sou um vagabundo!

Não quero mais o desespero
ligações
polícia
família

Não quero mais o riso retardado
nem os olhares consternados

Não quero morrer de overdose
Não quero morrer de cirrose
Não quero ser esfaqueado
Nem ser preso por algo que não me lembro de ter feito

Chega de vomitar na porta de estabelecimentos públicos
Chega de copos quebrados
Chega de esquecer meu próprio nome
Chega desses banheiros nojentos
Chega das mesmas frases e caras
Chega de paixões tipo "amostra grátis"
Chega de tudo isso
Chega!

Agora me carreguem para casa, por favor
Não consigo mais caminhar
Depois
Apaguem meu número das suas agendas
ou pelo menos não me liguem mais para farras
Talvez para ir a igreja, pra isso sim

Me larguem
respeitem meu cansaço
Não quero ser como vocês
Infelizes

Eu tenho uma razão para viver
E vou vivê-la

Por tanto digam "adeus" para o Mister
Vocês não me verão mais aqui
nunca mais!
Adeus para vocês também
Adeus para a noite
Adeus para as belas garotas
Adeus álcool
Adeus narguile
Adeus lucky
Adeus Mint
Adeus bar
Adeus amigos piratas
Adeus!

Não quero mais essa vida pra mim!

Não quero mesmo!

Não quero mais essa vida pra mim...

Não quero mesmo...

Não quero...Pelo menos não até a próxima sexta-feira
(Alberto Salgado)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Deus"

Ouvi um homem dizer
"Eu odeio Deus"
Então um outro perguntar
"Mas o que é Deus?"
O primeiro respondeu
"Deus, é o papai noel dos adultos"

Ridículos

Nós
Cristãos
Ateus
Budistas
Agnósticos
Nilistas
Católicos
Céticos
Muçulmanos
Pagãos

Todos
Ridículos

Estamos engavetando Deus

Vendendo um Deus industrializado
Previsível
Com manual
Manuseável

Ridículos

Com Deus não se barganha
Deus não se tapeia
Nem se enrola

Tentem compreender de uma vez por todos
É impossível compreender
É absolutamente incompreenssível
Para nós seres finitos
Que condicionamos tudo
Ciência
Amor
Religião
Idiomas
Verdades e mais verdades

Que verdades?
Verdades inventadas não são verdades

Parem de inventar Deus!

Um pouco de respeito cairia bem
Um pouco
Pelo menos um pouco!
(Marcelo Prado)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Se quiser vir comigo segure na minha mão e venha

Eu mal sei quem sou
mas sei o que não sou
e não serei isso só por você
Então se quiser vir comigo segure na minha mão e venha

Sei que me visto como um vagabundo
mas é assim que eu gosto
e não vou usar franja e listrado só por você
Por tanto se quiser vir comigo segure na minha mão e venha

Na maior parte do tempo sou rabujento
mas a vida me fez assim
se eu pudesse escolher outra vida
eu escolheria
mas não posso
espero que compreenda
Então se você quiser vir comigo segure na minha mão e venha

Olha, sou o que sou
por mais que você queira que eu seja indiferente
e eu sei que você quer
não, eu não serei
não serei relapso com aquilo que amo
Eu sou assim, romântico, ridículo
mas esse sou eu
Se quiser vir comigo segure na minha mão e venha

Sou beberão
perguntador
chego a hora que quero
saio com quem eu quero
fumo se quiser
ouço Chico Buarque sim!
e ouço muito
Por isso se quiser vir comigo segure na minha mão e venha

Eu não vou falar sobre o assuntos que não me interessem
nem vou fingir que ouço
Não vou aturar seus amigos idiotas
nem vou fingir que aturo
Se sua mãe ou qualquer outro da sua familia me destratar
eu rasgo o verbo
As vezes vou querer um tempo só pra mim
Sou egoísta
e gosto de minhas particularidades
Em fim se quiser vir comigo segure na minha mão e venha

A minha vida é um mar de rosas
e eu vivo a nadar em seus espinhos
e se você vier comigo vai se arranhar também
vai sofrer
tenha certeza disso
Então se mesmo assim quiser vir comigo segure na minha mão e venha
(Alberto Salgado)

Aviso ao sistema

Dizer o que é errado é muito fácil
Convencionar a verdade
Inventar paradigmas
Impor estigmas

Embriagar-se é errado por que destrói do corpo
E beber coca-cola?

Sexo assim é correto
Sexo assado é depravado
Sexo é sexo ora bolas!
E é muito bom de qualquer jeito

Tatuagem é isso ou aquilo
Caramba é só pele
Matéria finita

Fumar em local público agora é proibido
Proíbam os carros de circular também
Eles sim me incomodam
Eles sim destroem meu planeta

Dizem que os muçulmanos são um bando de assassinos
Desde quando enforcar alguém é um ato civilizado?

Corja
Alcatéia
Matilha
Bando

Desejo que vocês um dia consigam alguma desculpa pra me devorar
Assim quando eu estiver dentro de seus corpos
Minha alma negra irá atormentar suas mentes
Irei pô-los em uma sangria inimaginável
Até a morte se tornará consolo
Minha carne velha e doente
Lhes fará mal
Vocês apodrecerão vivos
Seu fedor será sentido em todas as esquinas
Enfim vão comer a si mesmos
Na esperança de amenizar a dor
Mas nada vos trará alívio

Pois se em vida fui um incomodo qualquer
Em morte serei a própria morte
A vossa morte
(Alberto Salgado)

Pergunta complicada essa!

O que eu espero de você?
O melhor e o pior
Mentiras e verdades
Água e vinho
Frio e calor
Riso e pranto
Preto no branco
Algum sentido para tudo isso!
Amor!
Ou seja lá o que for!
(Marcelo Prado)

Vazio

O que eu deveria querer?
Eu deveria querer algo
Eu provavelmente deveria querer algo
Mas o que?
Se não sinto falta de nada agora!
...
Pensando bem
Algo eu quero
Eu quero querer algo
Querer com força!
Quero querer!
(Duda Teixeira)

domingo, 6 de setembro de 2009

“Don’t try”

Cá estou eu pensando: Se eu pudesse escolher um epitáfio, qual eu escolheria? É estranho pensar nessas coisas, ainda mais sabendo que ainda viverei longos anos, mas por fim todos acabam pendurando suas chuteiras. E qual seria meu epitáfio? Penso que se eu morrer sem escolhe-lo ficará a cargo da minha família, ora bolas, eles colocarão algo como “Filho exemplar, amado por todos”, ou talvez caso eu tenha filhos “Pai, marido e amigo. Um eterno sonhador!”, besteira qualquer. Você deve estar achando interessante esse papo maluco sobra morte e tal, você deve estar se perguntando “O que leva alguém a se preocupar tanto com uma coisa como essas?”. Ao meu ver não é uma besteira qualquer, fico imaginando, será que me cremarão, como assim desejo, ou farão um daqueles velórios ridículos? Ou será que serei enterrado como um vagabundo, indigente qualquer pela minha amada pátria? Pior ainda, será que venerarão meus restos mortais por longos dias, tipo uns setenta? Eu aqui viajando, e você ai querendo saber logo como começou essa historia toda, calma, muita calma, venha comigo e saberá, e tenha certeza que valerá a pena.
Primeiro, de algum tempo pra cá tenho me sentido estranho, desprendido do mundo físico. Sabe eu fui caminhando por uma estrada torta, e já nem me importava com nada, mas um belo dia... um belo dia deparei-me com um girassol, ou melhor esse girassol se deparou comigo. Eu o olhei, colhi, cheirei e ... e foi principio de um precipício, eu na hora não percebi, mas aquele perfume, que trazia o girassol, jamais sairia da minha memória.
Segundo, continuei meu caminho; calado, confesso que pensei em desistir da vida um trilhão de vezes, mas continuei firme e forte, não sei bem se por orgulho ou esperança. Eu enfrentei batalhões, os alemães e seus canhões, fiz de tudo um pouco para matar o tempo e os fantasmas, mas chega uma hora que tudo isso dá no saco, daí pronto joguei todo para o alto. Me enrolei num cobertor e disse para mim mesmo “Vou ficar aqui até vencer o prazo de validade”. Até parece que eu conseguiria fazer isso.
Terceiro, então reencontrei alguém do meu passado, uma certa viúva negra. A princípio tudo normal, tranqüilo, mas então sem que eu percebesse estava me enterrando numa cova, num ninho, numa juquira ou sei lá o que, só sei que a escuridão começou a tomar conta do meu dia, aí, aí eu descobri, é eu realmente sou e sempre fui um vagabundo.
Quarto, a noite já ia estranha, as pessoas falavam pelos cotovelos, eu olhei para os lados, olhei para dentro, meu instinto dizia que dalí não podia sair coisa boa, mas como sempre, parei, pensei e disse “Que se foda!”. Bebi, dose após dose me entorpeci, contei até a décima sexta, depois, depois só Deus sabe. Não lembro praticamente nada dessa noite, mas ela não é importante, o importante foi o dia seguinte. Acordei junto com os galos, minha cabeça parecia pesar uma tonelada, eu ia ainda muito chapado. O que mais me chamou a atenção foi que mesmo eu estando muito louco ninguém percebeu isso, acho que devo mesmo ser muito estranho. Mas no caminho, enquanto minha mente flutuava lépida dentro do meu espaço corpóreo, eu pude reparar coisas, lindas, vi gatos pretos se amando, vi cachorros sorrindo, vi um cara gordo, meio careca, andando dançante e sorridente enquanto ouvia um i-pod. Vi a beleza nas coisas de um jeito que jamais havia visto, lágrimas imaginárias escorreram pelo meu rosto, sorrisos infantis saltaram a minha face, as palavras fluíam eu nem mesmo sei o que dizia. Fiquei uma semana assim, minha mente funcionando separadamente do corpo, as coisas eram automáticas, rápidas, precisas, robóticas, e tudo tinha um lisérgico ar de alegria.
Mas tudo passa, e talvez você passe por aqui e acabe lendo o que escrevi. O fato é que segunda feira tudo voltou ao seu lugar, chato, monótono, tedioso, rotineiro, medíocre, como sempre. O ar voltou a me deixar cansado, a luz voltou a me cegar, a comida voltou em forma de vômito, até a água se tornou intragável. Eu até tentei, tentei esquecer aquela sensação, tentei repeti-la, tentei simulá-la, mas nada deu certo, nada adiantou. Cá estou eu de novo pobre, podre, só.
Cá estava eu pensando, pensando em qualquer bobagem. Liguei a televisão e vi num programa desses até assistíveis, um repóter perguntando prum cara que eu não sei quem é “Um epitáfio?”, o cara respondeu algo q também não me lembro. Daí comecei a pensar, comecei a pensar, qual seria meu epitáfio? Pensei rápido, foi óbvio. Eu certamente pediria que escrevessem no meu túmulo “Acabou, finalmente acabou!”

domingo, 23 de agosto de 2009

Um fio de lã

“Ás vezes morro de medo de te perder”, isso é o que gostaríamos de dizer, mas o que geralmente dizemos é “Nada”. Lembranças metafísicas são as únicas coisas que nos restam antes de dormir. Por que será que nunca nos lembramos do ultimo pensamento que temos antes de apagar? Só nos lembramos de como a noite será longa se não dormirmos. Hoje não conseguiremos dormir. Nosso quarto está escuro e vazio como o espaço sideral, nossa mente está tão mórbida e melancólica quanto a de Brás Cubas, nosso coração bate ao ritmo do tango, um último tango em Paris. Nós estamos inspirados, porém sem idéias, por isso essa será uma obra ao acaso.
Os cabelos por entre nossos dedos são macios e finos, curtos, aveludados, nos remetem as nuvens que observávamos na infância, aquelas nas quais víamos animais e objetos. Nosso coração está saltitante, bate numa ferossidade insana, o sangue circula quente por todo o nosso corpo. Dizem que poemas são os pequenos fragmentos de idéias que conseguimos extrair no nosso consciente, o nosso consciente este sim é a verdadeira poesia. Poesia, o que é isso? É tão abstrato! Como alguns conseguiram convencioná-la de forma tão cientifica? Romantismo, bobeira. Não existe escola que possa ensinar isso, não existe. Nossos cabelos são macios e finos, curtos, aveludados.
Agora nos lembramos de uma tarde de verão; estávamos sentados com elas, olhávamos em seus olhos e dizíamos “Quem de nós será o mais louco?”, elas indagavam “Você”, então nós não podíamos nos conter, tínhamos que arrotar todas as nossas bacabas filosóficas, “Temos o melhor relacionamento do mundo, sabia? Nos amamos, nos odiamos. Nos divertimos, nos aborrecemos. Repentinamente queremos nos encontrar, então não queremos nos ver nunca mais. Com certeza esse é o melhor relacionamento do mundo. Eu nunca preciso te ligar, você nunca vem a minha casa. Eu detesto telefonemas, você detesta meus abraços. As vezes te odeio por quase um segundo, depois tudo volta ao normal. Basta um sorriso teu”, então elas respondem “É”. Nós nunca esqueceríamos esse dia se ele realmente houvesse acontecido.
A noite vai calma na nossa casa, nossa vovó repousa em seu quarto, nosso visitante acaba de chegar. Pensamos em preparar algo para comer, mas não estamos com fome. Lá fora podemos ouvir o som do chuveiro jorrando. Estamos de frente para a nossa máquina de escrever multifacetal de ultima tecnologia. As palavras vão fluindo por nossos dedos como descargas tempestuosas. Nossa mente se esvazia. Toda vez que olhamos no relógio nos lembramos delas. Elas.
Certa vez um grande amigo nos disse que essa coisa do “Eu” não existe, que somos vários em um ao mesmo tempo, e demonstramos isso nos diferentes ambientes que visitamos. Poderíamos concluir por tanto que “Eu na verdade somos nós”. Certa vez uma garota muito inteligente que conhecemos nos disse “Você foi uma virgula, não passou de uma virgula, apenas uma virgula”. Poderíamos concluir que não somos apenas uma virgula, mas varias, afinal essa coisa do “Eu” não existe, e se somos varias virgulas, somos nós quem ditamos a ordem dos ocorridos, os intervalos, conclusões, conciliações e eticétera e tal. Somos mais do que palavras, sem nós o resto do texto seria desanexo e incompreensível. Mas isso tudo não passa de mais uma de nossas viagens. Umas bobeiras que gostamos de compartilhar.
Ás vezes as palavras não tem sentido. Ás vezes se repeti-las algumas vezes perdem todo o sentido. Ás vezes é necessário lê-las mais de três vezes para absorver seus reais significados. Ás vezes são somente palavras. Ás vezes são a alma de alguém. Mas com certeza nunca são escritas em branco.
Nos levantamos, vamos ao toilette, nos olhamos no espelho. Vemos o quanto estamos velhos, tão precoces, tão novos. Vemos as marcas de expressão afixadas com força abaixo dos nossos olhos e em nossas bochechas. Os cabelos já parecem mais ralos hoje do que estavam ontem. O olhar, o olhar nem reconhecemos mais. A barriga cresceu. Os peitos estão mais peludos. O pescoço dói; como sempre. Temos algumas cicatrizes novas. Nossa barba, nossa barba é a mesma. Pouco abaixo de nosso queixo podemos ver um reflexo erupto de nossa alma, um fio de barba branco, o único fio de barba branco que temos, aliás, o único pelo branco que temos em todo o corpo, e ele é tão branco e fascinante, tão branco quanto um fio de lã.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Você.


Você é o tipo que quase sempre está calado, pensativo, quase sempre, porém as vezes é muito falador; depende muito da companhia. É um cara bonito, mas nem tanto, existe coisa melhor no mercado e você sabe disso, sabe se arrumar bem quando quer; isso é verdade, mas essa sua barba falha, realmente não é muito galanteadora. Você é muitíssissimo inteligente, mas também é deveras preguiçoso, e isso num é nada vantajoso. Na maior parte do tempo você é um cara muito antipático, mas você faz isso tão bem que acaba por conquistar as pessoas. O seu tipão sério sempre se quebra quando você faz qualquer comentário, você é realmente hilário, quando quer. Conhece “um milhão” de pessoas, mas tem apenas alguns amigos pingados, talvez porque não confie em ninguém, apesar de sempre dar a vantagem a todo mundo. A verdade é que você é um louco que não se importa muito com a vida, porém “morre” de medo da morte. É difícil ser tão ambíguo. As vezes você entra em conflito sobre como agir, mas você é você, você sabe, você é o Á...

No vigésimo terceiro dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você fez todas as suas tosquices de humano, e o dia se foi, medíocre; assim como a maioria deles se vai. O relógio virtual de seu aparelho eletrônico marca vinte e uma horas, trinta e três minutos e vinte e oito segundos, você já está pensando em ir para casa, afinal o dia foi cansativo pra “caralho”; como sempre. Mas sabe que só poderá fechar o estabelecimento as vinte e duas horas. Clientes! Quem os consegue suportar?! Naquele programinha chato, que serve para a comunicação artificial-interpessoal via internet, você pode notar que uma determinada “pessoinha”, por quem você, entre aspas, tem um enorme apreço, está, como dizem “On”. Então essa “pessoinha”, como você mesmo gosta de se referir, decide começar um diálogo, utilizando essa interface fria e separadora, com você. Ela diz “Oi”, você diz “Oi”, tudo na paz, ela pergunta “O q vc vai fazer + tarde????”, você responde “sei la, hj to ,muito cansado, pq?”, ela diz então, “Ia te chamar pra jogar sinuca”, daí você pensa consigo, “Caramba, eu tõ cansado pra caralho, mas como vou recusar um convite... dela?”, mas antes que você possa digitar mais uma mensagem cibernética, para essa consciência cibernética com quem você tanto conversa, ela completa “Acho melhor sairmos amanhã então”. "Ufa!" Você pensa. Você começa a planejar o amanhã...

No vigésimo quarto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Que se dane como será o seu dia, você não dá a mínima, afinal, o que importa mesmo é o que acontecerá logo mais a noite. Vinte horas, trinta e sete minutos e quarenta e dois segundos. Você não tira os olhos do seu relógio cibernético, a ansiedade lhe come as entranhas, e esses clientes... Cambada de ignorantes. Vinte e umas horas, cinco minutos e doze segundos. Já chega de esperar. Ela te ligou não fazem quatro minutos reclamando “Por que você sempre chega tarde?”. Você sabe que tem que ir ou vai acabar perdendo o bonde. De repente uma parte malévola de sua mente o faz lembrar que um daqueles clientes chatos saiu e esqueceu uma caixa de bombons na sua geladeira. “Hehe”, você sorri diabólicamente. Vai até a geladeira e se deleita com alguns daqueles subprodutos lactosos provenientes do cacau. Idéia, ideias sempre vem a calhar, você se lembra que ela simpatiza bastante esses produtos lacto-cacalíticos. Dentro das paredes 20x10 de papelão ainda restaram dois invólucros, um contendo do subproduto mais comum do cacau, também conhecido como chocolate preto, e outro contendo do branco. Dúvida. Você não se lembra qual é o favorito dela. Você sabe que o seu favorito é o de cor clara, então o degluta. Põe o de cor escura no bolso direito mais baixo do seu calção, que fica sete centímetros acima do seu joelho. Você bota todos os clientes para correr, pega a sua motoneta e vai rumo a casa dela.
Como sempre, ela ainda está no banho. A demora é infinita, você começa a imaginá-la saindo de longo vermelho e scarpin, e isso o deixa nervoso, você pensa “Será que terei que vestir um terno para ficar a sua altura? Só o que me faltava, até imagino quantos gaviões irão sobrevoar “minha pista de pouso”!”. Enquanto você a espera, fica sentado no sofá da sala, conversando com a mãe e a irmã de sua estimada “pessoinha”, elas fazem comentários sobre um daqueles zoológicos humanos televisionados pelas emissoras na intenção de hipnotizar o público que ainda tem neurônios funcionais, você diz que não assiste essas coisas, acha sem valor cultural. Você é mesmo um babaca, dizer aos canibais que é pecado comer carne humana? Daí acontece o inesperado, a mãe da “pessoinha”, concorda com você, ela começa a discursar sobre a vida, filosofia pura, nada barata, cara, tem o preço de uma vida de sofrimentos e aprendizado. Você ouve o som da porta do quarto da sua tão esperada donzela se abrir, mas as palavras da jovem anciã que continua a discursar a respeito da vida lhe roubam a mente, o hipnotizam. Quando finalmente ela para, você olha para trás, lá está ela, linda, simples, apenas uma calça jeans, camiseta preta, tênis fuleiros, e um sorriso na face, e que sorriso, um sorriso assassino, sim, porque seu coração para nesse momento. Ela diz “Oi Á...!”. Ela nunca fala desse jeito, tão doce, tão alegre. Você sorri. Ela diz “Hmn, eu preciso ir no supermercado primeiro, comprar uma coisinha pra minha mãe.”
Na porta você a surpreende, tira o invólucro furtado do bolso e diz ”Trouxe um presentinho pra você!”, ela abre um sorriso e diz “Obrigado!”, com uma intensidade... Aí ela diz “Mas eu prefiro aquele outro...”. Você pensa “Hell, hell, hell, eu comi o outro”.
No supermercado é tudo muito rápido e corriqueiro, corredores, pessoas, vocês compram o que tem que comprar e vão pra fila do caixa. Na fila você fica parado, não sabe o que dizer, não tem o que dizer. Você fica cantando uma música que leva o nome dela “A... de Amsterdam” . Ela pergunta “Hmn?”, você diz “Nada, eu só estava cantando: “A... de Amsterdam”. Você conhece?”, ela diz “Não”.
Vocês vão a um bar, bebem uma cerveja, jogam sinuca. Vocês vão a outro bar, bebem mais duas cervejas, nada de sinuca. Vocês voltam para o primeiro bar, na esperança de jogar mais sinuca, porém o estabelecimento já está fechado, você tem a idéia de ir a um lugarzinho que conhece, mas também está fechado. Vocês voltam ao segundo bar, mais cerveja, mais sinuca. Você começa a reparar que ela está ficando alterada, você está ficando sonolento. Vocês começam a jogar numa mesa com dois caras que você nunca viu antes, você já está com tanto sono que nem sequer acerta as bolas, saem boas risadas por todos os lados. O que o incomoda é que ela é única representante do sexo feminino na mesa, você como o autêntico macho que é fica inevitavelmente de cara fechada, até tenta disfarçar, mas ela te conhece bem e começa a reparar. Você começa a se por de canto, se fazer de coitado. Ela vai para junto de você e diz “Poxa tem um gatinho na outra mesa e eu acertei ele com o taco. Rs”. (Detalhe, vocês são só amigos, isso nunca foi um encontro, vocês sempre saem juntos). Mas o sentimento que você porta por ela o impede de disfarçar o incomodo causado pela frase que ela proferiu, você pensa “Por que será que ela faz isso comigo? Será que ela não sabe o que eu sinto?”. Ela te abraça e diz “Á... me diz, você gosta de mim?”, você responde “E se eu gostar?”, ela retruca “Aí eu vou ter que bater a real em você... nós somos só amigos”. A noite ia ótima até então, fim de festa pra você. Vocês vão para fora, sentam em uma mesa, bebem outra cerveja. Ela insiste “Á... vamos conversar, você gosta ou não de mim? Me diz!”, você abaixa a cabeça e pensa “Que se foda!”, ai você diz “Gosto, eu gosto de você, mas... eu até gostaria de ter algo com você mas... eu te acho muito imatura... talvez daqui uns quatro anos... você é minha amiga...olha você só precisa entender que gostar de você não me impede de ficar com outras”. Ela pensa por um instante, assimila a informação, e fala “Amizade colorida, que tal? Assim a gente continua a ser amigos, mas ficamos juntos”. Você pensa “Poxa, num é isso que eu quero”, mas você diz “Esse é o sonho de todo cara”. Daí ela diz “Que tal o primeiro beijo então?”, você diz “Aqui?”, ela fala “É!”, você diz “Então é melhor eu me sentar ai do seu lado”, ela responde “Não daí mesmo, assim fica mais..”, “Romântico?” você diz, ela balança a cabeça quase que afirmativamente, você continua “Com óculos ou sem óculos?”, Ela diz “Com óculos”. Vocês se beijam, imagine, beijar sua melhor amiga, você se sente meio estranho a princípio. Mas sentir aqueles lábios grossos, carnudos, entorpecedores, aquele boca pequenina, macia, faz tudo valer a pena. Você acha o beijo delicioso, você inclina sua cabeça para a direta, para a esquerda, você abre os olhos, olha no fundo dos olhos dela, ela sorri e o beija delicadamente. Perfeito. Ao termino vocês se olham, sorriem, ela diz que precisa de um segundo para processar, você acha engraçado. Daí pra frente a noite corre, um trilhão de loucuras, frases bobas, conversa de bêbado. Você a leva pra casa. Você a vê vomitar todo aquele álcool, essa foi a única parte lastimante de noite. Vocês dormem juntos num banco de praça. Ficam lá até as cinco horas, cinqüenta e quatro minutos e quarenta e seis segundos da manhã, já é sábado.

No vigésimo quinto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você acorda lépido, o mundo todo flutua. Você não é mais o mesmo. O seu celular mostra que são onze horas, cinqüenta e seis minutos e dezessete segundos. O tempo voa nas asas de um avião, você vai trabalhar, você volta do trabalho. Você sente um desejo repentino de visitar um certo casal de amigos, você chega na hora certa, como sempre. Parece que família e amigos estão reunidos, você se senta a mesa, come uma boa refeição, charque ao molho, com abóbora, batatas, arroz branco, refrigerante de caramelo; vulgarmente conhecido como “alguma coisa-cola”, tudo simplesmente perfeito! Uma boa conversa, muitos sorrisos, muitas histórias, alguns conselhos, ótimos conselhos, diga-se de passagem, que realmente tiveram influência sobre o seu destino. Você começa a ter idéias a cerca de um novo plano de carreira. Despede-se, como é de praxe, sobe em sua motoneta e parte. A noite está apenas começando. Você vai ao encontro de um certo outro amigo que acaba de chegar de viagem, infelizmente você não o encontra no local marcado, você chegou meio atrasado, e parece que não existem mais os quinze minutos de tolerância. Você vai para sua casa. A ansiedade por sair o mata. Você vai até um orelhão com alguns cartões velhos, você tem uma unidade apenas, fala tudo com muita pressa. Ele vem até sua casa. Vocês vão jogar sinuca. Conversar. Você conta as peripécias da noite passada. Conta do beijo. Você está nas nuvens. Ele também tem uma novidade pra você. Ele diz “Cara eu acho que peguei a gripe suína”. Você gargalha da cara dele o resto da noite. É evidente que ele é hipocondríaco.

No vigésimo sexto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você visita novamente o seu amigo doente, ele diz que continua a piorar. Você almoça com ele, você almoça pouco, pois ainda tem que almoçar em casa. Hoje é aniversário da sua tia, a família se reúne. Você vai pro trabalho.Você é “obrigado” a fechar o estabelecimento mais cedo para levar seu amigo, agora não tão hipocondríaco, ao hospital. Parece que ele realmente está mal, ele fica repetindo incessantemente “Cara eu num posso morrer! Eu sou filho único”. A única coisa que passa na sua cabeça é o tal beijo. O dia passa inútil, você não se lembra do que comeu, ou o que vestiu. Algumas dúvidas assolam sua mente. “O que será da gente agora? Será que as coisas vão ficar estranhas? Será isso? Será aquilo? Será aquilo outro? Será? Será?...

No vigésimo sétimo dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: O dia passa em branco. Casa, comida. Trabalho, clientes. Você ainda não conseguiu falar com ela. Você ainda não teve coragem de ligar pra ela. Ela também não te ligou. Você começa a se perguntar “Por que ela ainda não ligou? Ela sempre liga!”. Você conversa com uma “fã” sua, utilizando novamente a interface sintética que possibilita a comunicação artificial entre seres humanos que consideram importante tal forma de diálogo, ela lhe diz “Liga pra ela!”. Você apenas espera. Como uma rocha espera. A tarde se vai. Um telefonema bastaria, passaria a limpo a vida inteira. Cai a noite, doce escuridão, sem fazer a ligação. São dezoito horas, quarenta e nove minutos e vinte e três segundos. Você se levanta, deixa o estabelecimento sozinho, vai ao orelhão mais próximo, liga para ela, a mensagem eletrônica diz “Hi, esse número está temporariamente indisponível”. Você então procura no seu celular o numero de telefone da mãe da “pessoinha”. Você fica hesitante, afinal, na última vez que você saiu com a filha dela vocês chegaram as seis da manhã. Mas a dúvida está lhe corroendo. Você liga. Chama, você ouve sete intermináveis “Bips”, até que alguém atende “Alô”, “Alô, quem fala?” você pergunta, “É a N...” responde, “A A... está?”, “Peraí”. Demora alguns segundos, você fica apreensivo, dependendo da forma como ela disser o “Alô” você saberá como está a situação. “Alô”, você ouve do outro lado da linha, é o melhor “Alô”, que você já ouviu. A voz dela está infernalmente angelical, as suas dúvidas caem por terra nesse exato momento, você sente que as coisas estão melhores do que antes, você não sabe o que será do futuro agora que você tem um novo plano de carreira, mesmo assim o seu coração se inunda de alegria. Você respira fundo e diz “Alô”...

No dia primeiro, do mês de agosto, do ano de dois mil e nove: Você mal pode aguardar para que chegue...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O maníaco da latinha.


“Uma certa , caridosa senhorita, que conheço, outro dia me disse: “Eu não gosto muito de contos, são sempre iguais. Você já reparou como sempre terminam da mesma forma? Sempre tem um final bizarro; a morte da esposa, do vizinho, do gato, da galinha...”. Pensei bastante nessas palavras, então decidi que deveria fazer por honrar os leitores dando-lhes algo menos medíocre que de costume. Nesse conto relatarei uma das minhas mais estranhas experiências vivida. Desde já obrigado. Chibolete.”

São 12:29, estou aqui deitado com a boca aberta cheia dentes esperando a morte chegar, na verdade estou esperando a hora de ir trabalhar, gosto de ser dramático em minhas narrativas. Ocasião que pede uma bela sobremesa, assim como qualquer outra ocasião. Começo a lembrar do almoço, miojo com certeza não é a refeição preferida de muitos, mas na atual conjuntura veio bem a calhar, miojo ao molho branco com calabresas e milho. Estou aqui deitado; tirando uma cesta, numa cama cujo dono desconheço, olhando para a foto que uso como papel de parede no meu celular e fantasiando coisas. Nas minhas fantasias sou Casanova, Calígula, Baco, ou eu mesmo. Meu libido me leva a fantasiar coisas estranhas, chocolate, sorvete, cerejas, morangos, leite condensado... Huuu leite condensado! Acho que tem umas duas latas de leite condensado no armário (Esqueci de mencionar, eu estou na casa da minha patroa, ela está em uma viagem de férias e me pediu que ficasse aqui). Levanto-me e vou até o armário da cozinha; o armário é branco, dividido em três grandes compartimentos, o superior e o inferior são fechados por quatro portinholas, o compartimento intermediário leva pequenas portas deslizantes de vidro. Lembro que as latas estavam na terceira porta do compartimento mais alto, a contar da esquerda para a direita. Aqui estão elas. Suas formas cilíndricas, levemente acinturadas, me provocam uma espécie de ereção mental. Elas se encontram uma encima da outra, o que me trás á tona delírios de HOLLYWOOD. Essa cena me lembra de alguns totens que vi em Recife. Eu pego apenas a que está por cima d’outra, a trago pra junto do meu peito e suspiro com força, para que até mesmo essa simples latinha de leite condensado possa perceber meu êxtase. Coloco-a encima do balcão de granito que divide a pequena cozinha da copa. Lá está ela, parada, formosa, deliciosa. Eu quase consigo ouvi-la dizendo “Me possua. Deleite-se em meu néctar lactoso”. Acho que estou ficando louco, talvez a solidão pela qual tenho passado esteja me fazendo surtar a ponto de ter fantasias com uma lata. “Consciência, você não é bem vinda, agora!”, digo para os ares. Na pia da cozinha, dentro do faqueiro, encontra-se uma daquelas facas enormes que são usadas nesses filmes baratos de suspense. Eu vou até ela, a pego, lavo; estava com uns restos de fígado. Eu afago a latinha, com bastante carinho, assim ela nem perceberá quando eu a apunhalar. Eu a apoio sobre o balcão, a olho com firmeza, e com um golpe certeiro a penetro com a enorme faca na parte superior junto á margem. O leite condensado jorra, é realmente impressionante, não imaginei que meu golpe teria tal resultado. Eu retiro a faca a esfaqueio de novo, só que dessa vez próximo a outra margem. Não jorra tanto leite condensado como antes. Acho que a “hemorragia” está coagulando. Eu giro a faca ainda presa no buraco. Enfio a faca no outro buraco e executo o mesmo movimento. Agora ela está absolutamente rendida a mim. Posso fazer o que bem entender com ela. De prima havia imaginado fazer coisas libertinosas usando o conteúdo dessa lata, mas levando em consideração os fatos. Eu estou sozinho. Woody Allen, certa vez, disse : “Não despreze a masturbação; é fazer sexo com a pessoa que você mais ama”. Por que diabos isso veio a minha mente? Começo novamente a pensar que estou perdendo o juízo. Afinal usar leite condensado para fazer “isso” seria meio nojento, mesmo porque... só de imaginar aquela mistura de leite condensado com... HURGH. Tenho outra idéia. Abro a geladeira, misturo algumas gotas chocolate, com um pouco de cereal de arroz, coco ralado, creme de leite e leite condensado. Pronto. Minha sobremesa está pronta.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Salmo 23, versículo 4


"Certa vez ouvi falar que foi feita uma pesquisa na qual era perguntado para as pessoas se gostariam de saber o dia de sua morte, segundo a pesquisa 96% dos entrevistados disse que não. Eu também não gostaria de saber. Não gostaria de ter sabido."

Ainda era cedo da noite, era uma quarta-feira cinzenta, uma daquelas onde não se tem nada para fazer. Rodrigo saiu de casa sem rumo, sem idéias, apenas vazio. Caminhou pelas ruas de seu bairro, caminhou pelas ruas do bairro vizinho, pegou o metro, foi ao centro. A noite perecia infinita. Rodrigo entrou em todo o tipo de lojas que encontrou pelo caminho, gastou um pouco do seu dinheiro mofado. No celular de Rodrigo eram 23:42, tudo estava fechando, o fluxo de pessoas parecia cada vez menor. Decidiu pegar um taxi e voltar para casa. No fim da rua por onde passava ele pode avistar algumas luzes bastante coloridas, curioso decidiu averiguar, ao se aproximar foi possível notar que era um velho parque de diversões. As lonas do parque já eram encardidas de tão velhas, a maioria dos brinquedos tinha a pintura descascada, o movimento já ia fraco. Rodrigo comprou uma maçã do amor, deu uma volta no navio pirata, outra no chapéu mexicano, então decidiu que já era hora de voltar para casa. Próxima a saída Rodrigo notou uma tenda que parecia não estar lá quando ele chegou, ou talvez simplesmente só não a tenha notado, a tenda tinha em sua frente uma faixa já antiga escrita “Madame Mollo”. Em um outro dia qualquer Rodrigo teria passado e não sentiria a mínima curiosidade de saber do que se tratava, mas nesse dia não, as coisas andavam estranhas. Ao entrar na tenda Rodrigo sentiu uma estranha sensação de Dejá vù, era como se já houvesse estada naquele lugar em um dos seus sonhos. No interior da tenda havia um pequeno átrio que era separado da parte conseguinte apenas por uma cortina de conchas, no átrio havia duas velhas cadeiras de madeira, na segunda parte da tenda havia apenas uma mesa redonda, coberta por uma toalha de crochê, havia duas cadeiras ao redor da mesa, uma mais próxima da entrada, dando a entender que seria do cliente, a outra estava mais ao fundo da tenda, nessa estava sentada uma senhora, aparentava ter cerca de cinqüenta anos, de cabelos pretos, roupas espalhafatosas, ostentava um olhar sinistro que causaria arrepios em qualquer demônio.
-Boa noite, meu filho! Disse a senhora.
-Boa noite. Você é a madame Mollo?
-Sim. Veio ver seu futuro, não?
-Eu.. não sei. Você é algum tipo de vidente? Né?
-Sim. Sou algum tipo.
-Então tá. Que mal teria, né?
Rodrigo assentou-se. Madame Mollo tocou-lhe as mãos e fechou os olhos, como se estivesse entrando em algum tipo de transe. O rosto de madame Mollo começou a mudar, sua face expressava uma dor excruciante, sua boca murmurava algumas palavras ininteligíveis. De repente seus olhos se arregalaram, ela ficou boquiaberta, começou a soluçar e disse.
-Você...você...quero dizer...
-O quê a senhora viu?? Disse um pouco assustado.
-Eu..eu...nada...você terá uma vida feliz e prospera. É só.
-Quê? Só isso? Mas...
-Meu filho se você puder me deixar agora, eu estou cansada e...
-Como assim?
-Essa consulta fica por conta da casa ok?
-Não. Eu quero saber o que foi que a senhora viu. Eu pago. Quanto a senhora quer? 100? 200? Está aqui. Agora fale.

Madame Mollo ficou calada por alguns segundos.

-Certo...Eu vi a sua morte.


-Bem meu nome é Pedro Noleto de Bezerra, tenho 37 anos, sou odontólogo, solteiro, moro sozinho, gosto de pintar, faço pintura á óleo. Bem, eu sou meio tímido, mas sempre tive um bom convívio com todo mundo.

São 8:23 da manhã, pelo menos é isso que diz o rádio-relógio que está na cabeceira da cama de Pedro. Os olhos de Pedro se abrem para o teto, sua cabeça dói, a noite foi péssima, dormira apenas vinte ou trinta minutos essa noite. A insônia o manteve pensativo. Realmente não é muito animador ouvir alguém lhe dizer como e quando você vai morrer, pior ainda quando essa pessoa diz que acontecerá dentro de 23 horas. Na cabeça de Pedro ecoavam as palavras de Madame Mollo, a única coisa em que ele pensava era em como poderia se esquivar do destino. Na noite passada enquanto passeava pelo parque Pedro cometeu o ingênuo erro de dar suas mãos para serem lidas. Agora sua cabeça agita em pensar que sua morte está tão próxima. Pedro levanta tremulo, vai ao banheiro, é cauteloso em tudo que faz, escova os dentes, acha melhor não o tomar banho, tentar comer, mas a comida não desce. Pedro fica duas ou três horas sentado no sofá, pensando em tudo que fizera na vida, mas o que mais lhe rói o coração é a lembrança de tudo que não fizera. Todas as aventuras que perdeu, todas as loucuras que deixou escapar, todos os amores que nunca viveu. Os vasos sanguíneos do cérebro de Pedro se dilatam, ele tem uma idéia: “Já que irei morrer. Que se dane a sensatez”. Pedro se levanta, vai até o guarda-roupa, veste seu melhor terno, sua melhor camisa, sua melhor gravata, calça seus melhores sapatos. Sai de casa, acha melhor ir a pé, vai ao banco, faz um “limpa” em sua conta. “E agora que loucura farei?”. Então Pedro lembra-se dos tempos de faculdade, quando todos os alunos se esbaldavam em boates de stripers. Pedro acena para o primeiro taxi, entra, senta-se e tímido pergunta: “É... o senhor conhece alguma... alguma daquelas boates de stripers?”. A fachada da boate é bem singela, não passa de um prédio com tijolos expostos, as enormes janelas são de vidro espelhado impossibilitando que se veja o que acontece no interior. Ao entrar Pedro se depara com o paraíso, mulheres semi-nuas andando para lá e para cá o tempo todo. Ele caminha até uma das mesas, e assiste a mais bela apresentação de dança que já viu. Ele gasta tempo e dinheiro. Ele vê todas as stripers bem de perto, ele enfia dinheiro em suas calcinhas e sutiãs como se vê nos filmes de Hollywood. Ele recebe danças particulares. Ele se sente Salomão com suas mil concubinas. O dia se vai. Pedro nota que algumas dançarinas se retiram dos pequenos palcos dando lugar a outras, parecem estar indo embora. Os vasos sanguíneos do cérebro de Pedro se dilatam. Pedro tem outra idéia. Apressa-se e sai da boate, dá a volta no prédio e espera que alguma dançarina saia. Não demora muito ele vê três delas saindo, ele se aproxima e diz: “É... com licença garotas, é... eu gostaria de saber se vocês... topariam fazer uma espécie de apresentação... particular?”. Uma delas responde:”Seu porco! Acha que somos o que? Putas? Vai tomar no seu cú.”. Mas outra interrompe: “Quanto você paga?”. Pedro pergunta: “Quanto você cobra?”. “Pra ter isso aqui meu querido... dois mil. Á vista.”. Pedro: “Eu pago!”. Dali saem, pegam um taxi e vão para um motel. Pedro nunca tivera uma mulher daquele jeito. Ele fez tanta sujeira. Se lambuzou a noite inteira; até ficar saciado. Depois de um dia como esse Pedro não se importa mais com a morte, ele decidiu caminhar até chagar em casa, não se importa se for assaltado, não se importa se for baleado, encara feio todos os tipos estranhos que aparecem em seu caminho. Pedro atravessa as ruas sem olhar para os lados. Ele estufa o peito como se fosse Sean Connery . Pedro vê sua casa. Pedro pensa “Vidente estúpida”. Mas enquanto Pedro atravessa a rua ouvi alguém lhe gritar: “Blá blá blá!”, Pedro nunca teve os ouvidos bons. Pedro olha para trás, era a vizinha, Dona Rita. Pedro pergunta : ”Hã??”. Pedro não vê o caminhão de lixo. O motorista do caminhão de lixo não vê Pedro. Dona Rita vê o caminhão e grita: “Cuidado... com o caminhão meu filho!”. Pedro se vira e pergunta “Hã??”. Se ela não tivesse dito nada. Se ele não houvesse parado. Se o motorista não estivesse distraído vendo um vídeo pornô em seu novo celular. E se...
Enquanto Pedro agoniza no asfalto, enquanto seu sangue se espalha para todos os lados, enquanto os vizinhos gritam, enquanto o ar lhe falta, enquanto o céu escurece. Pedro apenas se lembra das palavras de Madame Mollo...

Rodrigo acordou com o despertar do celular, eram 8:23 da manhã. Não importava que horas eram, para Rodrigo só importava o lhe aconteceu na ultima noite. Ele estava fixado nas palavras de Madame Mollo. Rodrigo não se importou em levantar. O dia nasceu mórbido, nebuloso. Rodrigo sentou-se a beira cama e pensou : ”Droga!”.

-Meu nome é Joham Kinsky, tenho 49 anos, sou militar aposentado, divorciado, não tenho filhos, não gosto de animais, gosto de jogar sinuca, baralho e beber um bom whisky. Não sou o tipo com muitos amigos.

O dia começa cedo para Joham, são 4:08 e ele já está de pé, velhos costumes militares; as neuroses causadas pelos abusos no exército tornaram Joham paranóico e com um sono extremamente leve. Logo ao levantar lembra-se da noite passada : “Videntes...”. Joham nunca foi o tipo supersticioso. Ele só acredita na “Poderosa”; a “Poderosa” é uma Magnum calibre 45 que ele carrega consigo. Joham assiste TV, come bacon, fica entediado; como sempre. Joham espera o dia amanhecer; como quem aquece a água sem deixar ferver. Com o sol já alto ele sai para caminhar. Ele mora num bairro meia boca. As casas são feias e velhas. A vizinhança é pobre. Existem muitos animais e mendigos largados nas ruas. Mas o que mais irrita Joham são os jovens. Não todos os jovens; só os traficantes. Mas o que mais irrita Joham não é o fato de serem traficantes; é o faro de serem traficantes negros. Joham sempre admitiu ser racista, isso inclusive lhe causou sérios problemas no exército. Após sua caminhada matinal ele volta para casa, ao chegar á porta é abordado por um de seus vizinhos que diz: “Joham. Você ficou sabendo o que fizeram como o filho do Mauro? Os traficantes, aqueles desgraçados desossaram ele. Desgraçados”. Joham finge não se importar, dá de ombros e entra. Mas ele pensa: “Esse desgraçados já estragaram demais esse bairro. Eu não tenho filhos porque não gosto de crianças mas...”. Ainda eram 8:23 da manhã quando Joham começou a beber. Uma dose após a outra. De repente o estrondo dos canhões inimigos, granadas, helicópteros começam a atormentar os sentidos de Joham. Grandes doses de álcool sempre provocaram-lhe alucinações. Grandes doses de álcool sempre o deixam violento. Ele começa a quebrar as coisas. Jogar as louças nas paredes. Encharca toda a mobília com whisky. “Vou acabar com todos aqueles desgraçados”. Ele põe a “Poderosa” na cintura. Louco como um búfalo, procura em todos os becos, até encontrar. Ele vê um pivete vendendo drogas numa esquina. Ela se aproxima devagar e pega o muleque no sustos. O garoto deve ter por volta de doze anos, negro com dreadlocks. Joham o levanta pelos cabelos. Enfia a arma em sua boca e diz : ”Você me levará até o seu “quartel general”. São 23:42 da noite, Joham chega em casa banhado de sangue, cheio de cortes pelo corpo, mas com um enorme sorriso estampado no rosto. A única coisa que passa pela sua cabeça agora é : “Acho que hoje eu fiz uma bagunça e tanto. Hehe. A polícia vai ter um monte de pedaçinhos pra juntar”. Realmente oito corpos estraçalhados em quatro casa diferentes não é uma bagunça agradável para se limpar. Joham está contente, fez o seu papel de cidadão; limpando as ruas daqueles malfeitores. Joham abre uma garrafa de whisky, acende um cigarro e deita no sofá. Joham se esquece que antes de sair e dar uma de justiceiro ele havia feito também uma bagunça em casa. Joham se esquece qual é o produto de álcool+fogo.
As labaredas do cigarro caem sobre o sofá coberto de álcool, iniciando o incêndio, que se espalha pelas cortinas, paredes, mobília e equipamentos elétricos. Joham só percebe o fogo quando sente um cheiro de carne queimada no ar; o cheiro de sua própria carne. Joham arde em chamas. Ele sabe que aquele será o fim. Ele tem um ataque de risos. Joham apenas se lembra das palavras de Madame Mollo...

Rodrigo estava parado em frente a TV, a umas duas ou três horas; tinha medo de sair e ser atropelado, assaltado, ou sabe-se lá o que poderia acontecer. Rodrigo havia lido no jornal matinal sobre a morte de um cidadão na porta de sua própria casa; atropelado por um caminhão de lixo, o motorista foi indiciado por homicídio culposo. É claro que assistir TV não é o melhor remédio para quem já está apavorado. O jornal da TV noticiou a morte de um homem de cinqüenta anos em sua própria casa, vítima de um acidente doméstico, aparentemente o tal homem bebeu demais e causou um incêndio que tomou toda a residência e deu cabo de sua vida. Rodrigo estava apavorado, sua pressão ia aos céus e caia. “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”.

Olá. Meu nome é Fabrício. Tenho vinte e quatro anos. Sou solteiro. Inclusive estou a procura. Hehe. Bem meus hobbies... gosto de jogar vôlei de praia, na verdade eu só vou pra ver as garotas de biquíni. Bem... também gosto de dançar. Me dou muito bem com as pessoas, todo mundo sem exceção.

O dia já vai alto e Fabrício ainda dorme. Fabrício sempre foi um “boa vida”, namorador, sustentado pelos pais e etc. Ele vive num apartamento de classe média; que também é bancado pelos pais. Parece que ele vai dormir até amanhã. Parece que a noite foi boa. Ele provavelmente nem se lembra com quantas garotas transou na noite passada. Ele provavelmente nem se lembra o que Madame Mollo lhe disse na noite passada. Mas o destino é sujo e sorrateiro, ele não deixa barato, ele sempre dá uma jeito de nos lembrar quem é que manda nesse “cabaré”. Fabrício está tendo sonhos eróticos com alguma peituda. No sonho uma mulher vem andando por um longo corredor, algumas luzes vermelhas decoram o lugar, ela está vestida num tipo de roupa árabe, ou indiana, algo não muito bem definido. Ela vem devagar, seu corpo se mexe num ritmo estranhamente excitante. Suas formas, seus olhos e seus olhares, seus dentes e seu sorriso. Ela devora o juízo de Fabrício. As roupas de ambos somem. Eles estão numa praia. Ela se apóia sobre as coxas de Fabrício enquanto se ajoelha. Ela pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. O presidente Kenndy pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. A falecida avó de Fabrício pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. Madame Mollo pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. Fabrício acorda apavorado. “Droga de sonho!”. Agora Fabrício se lembra de Madame Mollo e do que ela lhe disse. Fabríco não acredita nesse tipo de coisa, ele só entrou na tenda dela porque estava muito “chapado” e nem sabia o que estava fazendo. Fabrício se levanta. Já são 15:16. A fome aperta. Fabrício não é o tipo convencional, quem se importaria em comer se soubesse que existe um possível risco eminente de morte? Fabrício pega telefone para pedir algo para comer, a linha está muda. Ele tenta ligar a TV, está sem energia. Ele decide ir ao vizinho verificar se estão na mesma situação, a porta de seu apartamento está trancada, ele não acha as chaves. “Mas que porra ta acontecendo?”. Fabrício começa a se preocupar com situação. Ele vai a janela olha para os lados, aparentemente tudo vai normal na rua. Ela decide se arriscar e andar pelo parapeito do prédio na tentativa de chegar ao apartamento vizinho e pedir ajuda. O parapeito está molhado. Ele caminha com cautela. Ao chegar á janela vizinha ele bate e diz: “Ô de casa. Alguém ai?”. Fabrício não cauculou bem em que janela estava batendo, infelizmente era a janela do banheiro. A vizinha assustada deu-lhe uma vassourada, Fabrício ficou pendurado no parapeito. Nesse momento ele se lembrou das palavras de Madame Mollo. Foi então quando a enorme e gorda mão do Sr° Marcelo o puxou para dentro salvando sua vida. Sentado na mesa da cozinha Fabrício pensava na forma miraculosa como escapou da morte. Pensava “É... acho que é hora de mudar de vida!”. Estranhamente as coisas voltaram a funcionar, o telefone voltou a pulsar, a energia voltou, até a chave ele encontrou; dentro do tênis que havia usado na noite anterior. A fome veio novamente. Na geladeira de há apenas essas besteiras que os jovens comem, doces, salgadinhos, refrigerante, cerveja. A única coisa que quase poderia se equiparar a uma refeição é um sanduíche velho, já deve ter uma semana que ele está ali no canto, mas sua cara não é das piores, a alface escureceu um pouco, o tomate está um pouco murcho, mas a carne ainda parece saudável, além do que não fede. “Um minuto no micro-ondas resolve”. Pensa Fabrício. Após um minuto no micro-ondas lá está ele, o sanduíche, cheiroso e suculento como novo. Fabrício abocanha com ganância, o stress que passou só aumentou sua fome. Mordida após mordida o sanduíche vai se tornando menor. Fabrício se lembra do que sua mãe dizia : “meu filho comer rápido faz mal!”.
Certa vez eu vi em um comercial que “perigoso é ervilha”. Fabrício pode comprovar isso. Em uma das mordidas afoitas Fabrício se engasga com uma reles ervilha. Uma reles ervilha teimosa que se agarra a garganta de Fabrício e o começa a sufocar. Fabrício primeiro tosse algumas vezes para tentar expeli-la, mas ela é bastante teimosa e não se entrega tão fácil. Fabrício inflige alguns socos contra o peito. Fabrício começa a se preocupar. Fabrício toma um copo d’água. Nada. Fabrício se entrega ao desespero. O seu cérebro não está mais oxigenando. Ele fica tonto. Ele cai e começar a engatinhar. Ele começa a rastejar. Ele começa a se debater. Ele começar a tremer. Ele começa a agonizar. Nesse momento Fabrício se lembra apenas das palavras de Madame Mollo...

Rodrigo decide não sair de casa. Com certeza o exterior é bem mais perigoso que o aconchego de sua residência. São 15:16. Rodrigo mata o tempo jogando “Paciência”. Alguém bate a porta. Rodrigo olha através do olho mágico, é sua noiva. “Rodrigo! Abre a porta! Rodrigo você ta ai?”. “Sim amor. Eu to aqui. Mas eu num posso abrir não”. “Mas que diabos deu em você, ta deixando todo mundo preocupado contigo. Você num foi trabalhar, num ligo pra ninguém, num ligou pra mim. E por que eu num posso entrar?!”. “Olha amor é complicado. Confia em mim!”.”Você ta com alguma piranha ai né? Seu sem vergonha!”. “Não amor num é isso. É sério eu num posso abrir. Depois te ligo. Tá? Tchau! Te amo.”

Meu nome é George Carvalho Rezende. Tenho sessenta e sete anos. Sou casado. Tenho três filhos e cinco netos. Gosto de jogar dominó. Canto no coral da terceira idade na minha capela. Sou tenor. Sou o tipo bem afetivo. A vizinhança gosta muito de mim.

O dia nasce cedo para George, com a idade vem essas indisposições que não deixam as pessoas de mais idade dormirem direito. George sofre de um problema na próstata. Foi constatado um câncer á pouco tempo. George viaja até a cidade vizinha pelo menos uma vez ao mês para as sessões de quimioterapia. Isso deixa George muito deprimido, mas ele não deixa que isso tire sua alegria e bom humor. Ele se levanta, diz a esposa que a ama. Faz a barba, escova os dentes e toma uma ducha. Toma seu café com pão. Lê seu jornal. Espera o almoço. Almoça. Vai jogar dominó com os amigos. Vai ao coral. Vai á missa. Volta para casa. Vai dormir. Todos dias são tão iguais. Como diz aquela garota “beatinik” “Viver é chato e bonito”. Faz trinta e sete anos que George se levanta e diz á mulher que a ama. Ás vezes ele se pergunta “Por que eu ainda insisto em dizer isso? Afinal ela só responde um “eu também” se co e mecânico!”. Mas ele não deixa morrer o sorriso que carrega na face. Desde os dezessete ele faz a barba todos os dias, papai sempre lhe dizia que cara barbada é coisa de vagabundo. Mesmo assim nunca deixou morrer o sorriso. Até o café com pão já se tornou enfadonho, por que não bacon, ovos, sorvete, refrigerante? O jornal, o jornal é sempre tão igual, morre um atropelado aqui, um incêndio ali, as vezes vê-se algumas noticias deveras interessantes como por exemplo uma que está tirando algumas risadas malignas de George: “Jovem morre engasgado com ervilha”. Talvez George devesse parar de ler esses tablóides sensacionalistas. Enquanto espera o almoço George fica na varanda. O almoço é sempre o mesmo; sua mulher cozinha maravilhosamente, mas trinta e sete anos “cavucando a mesma cumbuca” é entediante para qualquer um. Hoje George não vai jogar dominó, nem irá ao coral. Hoje George irá até a capital para fazer mais uma sessão de quimioterapia. No ônibus a vida chata passa pela cabeça de George, ele fica martelando tudo o que abdicou. Na noite passada George foi á um parque da cidade, entrou na tende de uma vidente, lembrar disso causa-lhe uma crise de risos porque a mesma o disse que ele morreria. A morte já não é mais tão assustadora para George, ele convive com ela todos os dias, morrer não seria uma surpresa, nem para ele nem para ninguém que o conheça. As sessões de quimio são sempre muito doloridas, George deseja morrer a ter que passar por isso novamente. É sempre tudo tão igual. Ao sair do consultório George para e fica, ali estagnado no meio do corredor do hospital. George fica ali, apenas ali. George olha para a janela, sai correndo, todos ficam achando estranho aquele senhor correndo no meio do hospital. George lança-se pela janela.
O vento no rosto de George o faz lembrar a vez que foi ao Beto carreiro World e deu uma volta na montanha russa. A luz do sol o faz lembra aquela cena final daquele filme do qual ele não lembra o nome nesse momento. A velocidade o faz lembra que ele não verá a final do campeonato mundial de fórmula 1. A vida. Esse momento de liberdade não tem preço. Voar. Voar. Cair. Cair. O chão. Agora vem a mente de George as palavras de Madame Mollo...

Rodrigo passou o dia todo dentro de sua casa, escondido embaixo dos edredons. Até então não houvera a mínima ameaça de morte, mas todo cuidado era pouco. Afinal Madame Mollo foi bem convincente. Rodrigo não comeu. Rodrigo não bebeu. Rodrigo nem se quer saiu na porta. Ele dispensou sua noiva. Faltou ao serviço. Toda a sua vida passou-lhe diante dos olhos. Tudo que fizera e não fizera. A sorte que tivera e que lhe faltara. As amizades, família, escolhas. O amor. As crenças. Doenças. Agora tudo parecia ter um valor incomensurável. Talvez tudo não valesse nada. Talvez.
Rodrigo se levantou. Foi até o espelho, gastou algum tempo olhando sua deplorável imagem pálida. Abriu a carteira, rasgou o seu dinheiro podre. Finalmente saiu de casa. O por do sol o deixou levemente emocionado. As crianças voltando da escola o deixaram levemente emocionado. Até o cachorro sarnento que mora nas ruas se coçando mexeu com seu coração. Rodrigo não pôde suportar essa dor dilacerante. Em um ato de puro desespero Rodrigo correu pela rua como se estivesse endemonhinhado. O pânico fez com que ele pensasse em apenas uma coisa. A morte. Ele viu ao longe o ônibus que faz a rota em sua quadra. O pânico fez com que ele pense em apenas uma coisa. A morte. O ônibus se aproximava. O pânico fez com que ele pense em apenas uma coisa. A morte. Ele se jogou na frente do ônibus. O pânico fez com que ele pense em apenas uma coisa. A morte.
Rodrigo abriu os olhos. Vida. O ônibus freou. Vida. Rodrigo suspirou. Vida. Nesse momento as primeiras coisas que vieram a mente de Rodrigo foram as palavras de Madame Mollo...


Pedro apenas se lembra das palavras de Madame Mollo... “Você morrerá esfaqueado, em um assalto!”
Joham apenas se lembra das palavras de Madame Mollo... “O senhor morrerá afogado em seu próprio vômito”
Nesse momento Fabrício se lembra apenas das palavras de Madame Mollo... “Morrerá em uma queda, cairá de algum lugar bem alto!”
Agora vem a mente de George as palavras de Madame Mollo... “O senhor morrerá de um infarto fuminante!”


Á beira de uma estrada qualquer, em um canto qualquer do país está Madame Mollo, estirada em seu sofá, ouvindo o seu rádio á pilhas e fumando sua maconha. No rádio; em um desses programas cheios de terrorismo, ouve-se a notícia de uma triste tentativa de suicídio de um senhor de sessenta e sete anos, que não morreu mas ficou tetraplégico, ouve-se falar do jovem que morreu engasgado com uma ervilha, ouve-se falar do ex-militar que aparentemente ateou fogo em seu próprio corpo, ouve-se falar do homem atropelado por um caminhão de lixo, ouve-se falar do desespero humano, da falta de fé, de convicção, do medo da morte. Madame Mollo não dá bola, ela continua a fumar sua maconha.

"Certa vez ouvi falar que foi feita uma pesquisa na qual era perguntado para as pessoas se gostariam de saber o dia de sua morte, segundo a pesquisa 96% dos entrevistados disse que não. Eu também não gostaria de saber. Não gostaria de ter sabido."