segunda-feira, 27 de julho de 2009

Você.


Você é o tipo que quase sempre está calado, pensativo, quase sempre, porém as vezes é muito falador; depende muito da companhia. É um cara bonito, mas nem tanto, existe coisa melhor no mercado e você sabe disso, sabe se arrumar bem quando quer; isso é verdade, mas essa sua barba falha, realmente não é muito galanteadora. Você é muitíssissimo inteligente, mas também é deveras preguiçoso, e isso num é nada vantajoso. Na maior parte do tempo você é um cara muito antipático, mas você faz isso tão bem que acaba por conquistar as pessoas. O seu tipão sério sempre se quebra quando você faz qualquer comentário, você é realmente hilário, quando quer. Conhece “um milhão” de pessoas, mas tem apenas alguns amigos pingados, talvez porque não confie em ninguém, apesar de sempre dar a vantagem a todo mundo. A verdade é que você é um louco que não se importa muito com a vida, porém “morre” de medo da morte. É difícil ser tão ambíguo. As vezes você entra em conflito sobre como agir, mas você é você, você sabe, você é o Á...

No vigésimo terceiro dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você fez todas as suas tosquices de humano, e o dia se foi, medíocre; assim como a maioria deles se vai. O relógio virtual de seu aparelho eletrônico marca vinte e uma horas, trinta e três minutos e vinte e oito segundos, você já está pensando em ir para casa, afinal o dia foi cansativo pra “caralho”; como sempre. Mas sabe que só poderá fechar o estabelecimento as vinte e duas horas. Clientes! Quem os consegue suportar?! Naquele programinha chato, que serve para a comunicação artificial-interpessoal via internet, você pode notar que uma determinada “pessoinha”, por quem você, entre aspas, tem um enorme apreço, está, como dizem “On”. Então essa “pessoinha”, como você mesmo gosta de se referir, decide começar um diálogo, utilizando essa interface fria e separadora, com você. Ela diz “Oi”, você diz “Oi”, tudo na paz, ela pergunta “O q vc vai fazer + tarde????”, você responde “sei la, hj to ,muito cansado, pq?”, ela diz então, “Ia te chamar pra jogar sinuca”, daí você pensa consigo, “Caramba, eu tõ cansado pra caralho, mas como vou recusar um convite... dela?”, mas antes que você possa digitar mais uma mensagem cibernética, para essa consciência cibernética com quem você tanto conversa, ela completa “Acho melhor sairmos amanhã então”. "Ufa!" Você pensa. Você começa a planejar o amanhã...

No vigésimo quarto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Que se dane como será o seu dia, você não dá a mínima, afinal, o que importa mesmo é o que acontecerá logo mais a noite. Vinte horas, trinta e sete minutos e quarenta e dois segundos. Você não tira os olhos do seu relógio cibernético, a ansiedade lhe come as entranhas, e esses clientes... Cambada de ignorantes. Vinte e umas horas, cinco minutos e doze segundos. Já chega de esperar. Ela te ligou não fazem quatro minutos reclamando “Por que você sempre chega tarde?”. Você sabe que tem que ir ou vai acabar perdendo o bonde. De repente uma parte malévola de sua mente o faz lembrar que um daqueles clientes chatos saiu e esqueceu uma caixa de bombons na sua geladeira. “Hehe”, você sorri diabólicamente. Vai até a geladeira e se deleita com alguns daqueles subprodutos lactosos provenientes do cacau. Idéia, ideias sempre vem a calhar, você se lembra que ela simpatiza bastante esses produtos lacto-cacalíticos. Dentro das paredes 20x10 de papelão ainda restaram dois invólucros, um contendo do subproduto mais comum do cacau, também conhecido como chocolate preto, e outro contendo do branco. Dúvida. Você não se lembra qual é o favorito dela. Você sabe que o seu favorito é o de cor clara, então o degluta. Põe o de cor escura no bolso direito mais baixo do seu calção, que fica sete centímetros acima do seu joelho. Você bota todos os clientes para correr, pega a sua motoneta e vai rumo a casa dela.
Como sempre, ela ainda está no banho. A demora é infinita, você começa a imaginá-la saindo de longo vermelho e scarpin, e isso o deixa nervoso, você pensa “Será que terei que vestir um terno para ficar a sua altura? Só o que me faltava, até imagino quantos gaviões irão sobrevoar “minha pista de pouso”!”. Enquanto você a espera, fica sentado no sofá da sala, conversando com a mãe e a irmã de sua estimada “pessoinha”, elas fazem comentários sobre um daqueles zoológicos humanos televisionados pelas emissoras na intenção de hipnotizar o público que ainda tem neurônios funcionais, você diz que não assiste essas coisas, acha sem valor cultural. Você é mesmo um babaca, dizer aos canibais que é pecado comer carne humana? Daí acontece o inesperado, a mãe da “pessoinha”, concorda com você, ela começa a discursar sobre a vida, filosofia pura, nada barata, cara, tem o preço de uma vida de sofrimentos e aprendizado. Você ouve o som da porta do quarto da sua tão esperada donzela se abrir, mas as palavras da jovem anciã que continua a discursar a respeito da vida lhe roubam a mente, o hipnotizam. Quando finalmente ela para, você olha para trás, lá está ela, linda, simples, apenas uma calça jeans, camiseta preta, tênis fuleiros, e um sorriso na face, e que sorriso, um sorriso assassino, sim, porque seu coração para nesse momento. Ela diz “Oi Á...!”. Ela nunca fala desse jeito, tão doce, tão alegre. Você sorri. Ela diz “Hmn, eu preciso ir no supermercado primeiro, comprar uma coisinha pra minha mãe.”
Na porta você a surpreende, tira o invólucro furtado do bolso e diz ”Trouxe um presentinho pra você!”, ela abre um sorriso e diz “Obrigado!”, com uma intensidade... Aí ela diz “Mas eu prefiro aquele outro...”. Você pensa “Hell, hell, hell, eu comi o outro”.
No supermercado é tudo muito rápido e corriqueiro, corredores, pessoas, vocês compram o que tem que comprar e vão pra fila do caixa. Na fila você fica parado, não sabe o que dizer, não tem o que dizer. Você fica cantando uma música que leva o nome dela “A... de Amsterdam” . Ela pergunta “Hmn?”, você diz “Nada, eu só estava cantando: “A... de Amsterdam”. Você conhece?”, ela diz “Não”.
Vocês vão a um bar, bebem uma cerveja, jogam sinuca. Vocês vão a outro bar, bebem mais duas cervejas, nada de sinuca. Vocês voltam para o primeiro bar, na esperança de jogar mais sinuca, porém o estabelecimento já está fechado, você tem a idéia de ir a um lugarzinho que conhece, mas também está fechado. Vocês voltam ao segundo bar, mais cerveja, mais sinuca. Você começa a reparar que ela está ficando alterada, você está ficando sonolento. Vocês começam a jogar numa mesa com dois caras que você nunca viu antes, você já está com tanto sono que nem sequer acerta as bolas, saem boas risadas por todos os lados. O que o incomoda é que ela é única representante do sexo feminino na mesa, você como o autêntico macho que é fica inevitavelmente de cara fechada, até tenta disfarçar, mas ela te conhece bem e começa a reparar. Você começa a se por de canto, se fazer de coitado. Ela vai para junto de você e diz “Poxa tem um gatinho na outra mesa e eu acertei ele com o taco. Rs”. (Detalhe, vocês são só amigos, isso nunca foi um encontro, vocês sempre saem juntos). Mas o sentimento que você porta por ela o impede de disfarçar o incomodo causado pela frase que ela proferiu, você pensa “Por que será que ela faz isso comigo? Será que ela não sabe o que eu sinto?”. Ela te abraça e diz “Á... me diz, você gosta de mim?”, você responde “E se eu gostar?”, ela retruca “Aí eu vou ter que bater a real em você... nós somos só amigos”. A noite ia ótima até então, fim de festa pra você. Vocês vão para fora, sentam em uma mesa, bebem outra cerveja. Ela insiste “Á... vamos conversar, você gosta ou não de mim? Me diz!”, você abaixa a cabeça e pensa “Que se foda!”, ai você diz “Gosto, eu gosto de você, mas... eu até gostaria de ter algo com você mas... eu te acho muito imatura... talvez daqui uns quatro anos... você é minha amiga...olha você só precisa entender que gostar de você não me impede de ficar com outras”. Ela pensa por um instante, assimila a informação, e fala “Amizade colorida, que tal? Assim a gente continua a ser amigos, mas ficamos juntos”. Você pensa “Poxa, num é isso que eu quero”, mas você diz “Esse é o sonho de todo cara”. Daí ela diz “Que tal o primeiro beijo então?”, você diz “Aqui?”, ela fala “É!”, você diz “Então é melhor eu me sentar ai do seu lado”, ela responde “Não daí mesmo, assim fica mais..”, “Romântico?” você diz, ela balança a cabeça quase que afirmativamente, você continua “Com óculos ou sem óculos?”, Ela diz “Com óculos”. Vocês se beijam, imagine, beijar sua melhor amiga, você se sente meio estranho a princípio. Mas sentir aqueles lábios grossos, carnudos, entorpecedores, aquele boca pequenina, macia, faz tudo valer a pena. Você acha o beijo delicioso, você inclina sua cabeça para a direta, para a esquerda, você abre os olhos, olha no fundo dos olhos dela, ela sorri e o beija delicadamente. Perfeito. Ao termino vocês se olham, sorriem, ela diz que precisa de um segundo para processar, você acha engraçado. Daí pra frente a noite corre, um trilhão de loucuras, frases bobas, conversa de bêbado. Você a leva pra casa. Você a vê vomitar todo aquele álcool, essa foi a única parte lastimante de noite. Vocês dormem juntos num banco de praça. Ficam lá até as cinco horas, cinqüenta e quatro minutos e quarenta e seis segundos da manhã, já é sábado.

No vigésimo quinto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você acorda lépido, o mundo todo flutua. Você não é mais o mesmo. O seu celular mostra que são onze horas, cinqüenta e seis minutos e dezessete segundos. O tempo voa nas asas de um avião, você vai trabalhar, você volta do trabalho. Você sente um desejo repentino de visitar um certo casal de amigos, você chega na hora certa, como sempre. Parece que família e amigos estão reunidos, você se senta a mesa, come uma boa refeição, charque ao molho, com abóbora, batatas, arroz branco, refrigerante de caramelo; vulgarmente conhecido como “alguma coisa-cola”, tudo simplesmente perfeito! Uma boa conversa, muitos sorrisos, muitas histórias, alguns conselhos, ótimos conselhos, diga-se de passagem, que realmente tiveram influência sobre o seu destino. Você começa a ter idéias a cerca de um novo plano de carreira. Despede-se, como é de praxe, sobe em sua motoneta e parte. A noite está apenas começando. Você vai ao encontro de um certo outro amigo que acaba de chegar de viagem, infelizmente você não o encontra no local marcado, você chegou meio atrasado, e parece que não existem mais os quinze minutos de tolerância. Você vai para sua casa. A ansiedade por sair o mata. Você vai até um orelhão com alguns cartões velhos, você tem uma unidade apenas, fala tudo com muita pressa. Ele vem até sua casa. Vocês vão jogar sinuca. Conversar. Você conta as peripécias da noite passada. Conta do beijo. Você está nas nuvens. Ele também tem uma novidade pra você. Ele diz “Cara eu acho que peguei a gripe suína”. Você gargalha da cara dele o resto da noite. É evidente que ele é hipocondríaco.

No vigésimo sexto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você visita novamente o seu amigo doente, ele diz que continua a piorar. Você almoça com ele, você almoça pouco, pois ainda tem que almoçar em casa. Hoje é aniversário da sua tia, a família se reúne. Você vai pro trabalho.Você é “obrigado” a fechar o estabelecimento mais cedo para levar seu amigo, agora não tão hipocondríaco, ao hospital. Parece que ele realmente está mal, ele fica repetindo incessantemente “Cara eu num posso morrer! Eu sou filho único”. A única coisa que passa na sua cabeça é o tal beijo. O dia passa inútil, você não se lembra do que comeu, ou o que vestiu. Algumas dúvidas assolam sua mente. “O que será da gente agora? Será que as coisas vão ficar estranhas? Será isso? Será aquilo? Será aquilo outro? Será? Será?...

No vigésimo sétimo dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: O dia passa em branco. Casa, comida. Trabalho, clientes. Você ainda não conseguiu falar com ela. Você ainda não teve coragem de ligar pra ela. Ela também não te ligou. Você começa a se perguntar “Por que ela ainda não ligou? Ela sempre liga!”. Você conversa com uma “fã” sua, utilizando novamente a interface sintética que possibilita a comunicação artificial entre seres humanos que consideram importante tal forma de diálogo, ela lhe diz “Liga pra ela!”. Você apenas espera. Como uma rocha espera. A tarde se vai. Um telefonema bastaria, passaria a limpo a vida inteira. Cai a noite, doce escuridão, sem fazer a ligação. São dezoito horas, quarenta e nove minutos e vinte e três segundos. Você se levanta, deixa o estabelecimento sozinho, vai ao orelhão mais próximo, liga para ela, a mensagem eletrônica diz “Hi, esse número está temporariamente indisponível”. Você então procura no seu celular o numero de telefone da mãe da “pessoinha”. Você fica hesitante, afinal, na última vez que você saiu com a filha dela vocês chegaram as seis da manhã. Mas a dúvida está lhe corroendo. Você liga. Chama, você ouve sete intermináveis “Bips”, até que alguém atende “Alô”, “Alô, quem fala?” você pergunta, “É a N...” responde, “A A... está?”, “Peraí”. Demora alguns segundos, você fica apreensivo, dependendo da forma como ela disser o “Alô” você saberá como está a situação. “Alô”, você ouve do outro lado da linha, é o melhor “Alô”, que você já ouviu. A voz dela está infernalmente angelical, as suas dúvidas caem por terra nesse exato momento, você sente que as coisas estão melhores do que antes, você não sabe o que será do futuro agora que você tem um novo plano de carreira, mesmo assim o seu coração se inunda de alegria. Você respira fundo e diz “Alô”...

No dia primeiro, do mês de agosto, do ano de dois mil e nove: Você mal pode aguardar para que chegue...

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