Todos os fatos a seguir são verídicos, os trechos de textos e matérias foram cedidos para que haja mais precisão nas informações, as narrativas fictícias tem como único objetivo aproximar o leitor da melhor compreensão dos fatos.
...arght... que gosto esquisi...mas...onde?...onde estou?...tá...tá tão escuro...que cheiro é esse?...essa roupa...onde..onDE?...ONDE EU ESTOU???AH, AH, AH, SOCORRO, SOCORRO, ONDE EU ESTOU? ONDE EU ESTOU? ALGUÉM AÍ? ALGUÉM? ALGUEMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!
O motivo dessas memórias é que não sei o que será de mim. Estou preso num local aparentemente sem saída, aqui é escuro e fede a produto de limpeza. Peço desculpas pela péssima caligrafia, mas a única coisa que me restou para escrever foi uma fivela do meu cinto. O espaço que tenho para escrever é curto, por isso serei o mais breve possível. Dividirei essas memórias em atos e cenas para facilitar o entendimento cronológico.
ATO 1: Infância.
Cena1: Meu pai era um cigano, minha mãe uma moça do campo. Conheceram-se como qualquer casal se conhece. Meu avô nunca aprovou o relacionamento. Meu pai era como posso dizer... “de cor”, na verdade ele era descendente de indígenas sul-americanos. Minha mãe tinha o sangue dos europeus. Conheceram-se e em seis meses casaram-se. Acho que mamãe deveria ter ouvido o vovô.
Cena 2: Desde o útero da minha mãe fui um viajante, mudávamos de cidade como fugitivos. Eu odiava essa vida cigana. Morei em tantas cidades que já nem me lembro mais. Com o passar do tempo o passado do papai veio á tona, papai já havia se casado três vezes antes de conhecer mamãe, ele tinha uma dúzia de filhos e devia até a alma ao diabo. Foi quando ele começou a se tornar violento, brigava com minha mãe dia e noite, me batia sempre que lhe dava a oportunidade, aliás foi ele quem quebrou meu nariz. Certa vez o vi tentar matar mamãe a facadas, eu nunca mais fui o mesmo desde então. Foi nesse momento que decidi que não iria me tornar alguém como meu pai.
Cena 3: Quando eu tinha oito anos de idade meu pai faleceu, ao menos foi o que me disseram. Anos mais tarde descobrir por conta própria que o desgraçado ainda estava vivo, então o ajudei a fazer jus a sua certidão de óbito. Quando criança não me entristeceu a notícia da morte de papai, pelo contrário, foi motivo de grande alegria, finalmente ficaríamos livres daquele louco sádico. Foi ai que minha personalidade começou a ser formada...
ATO 2: Adolescência.
Cena 1: Minha infância acabou muito cedo, porém minha adolescência demorou muito para começar, entre uma e outro houve um período que eu chamo de “Era das trevas”. Eu só comecei a interagir com outros humanos aos meus 15 anos de idade.
Cena 2: Eu era o tipo de garoto introspectivo, sempre sozinho, meu maior vício era a TV. Meus tios costumavam me chamar de “Menino da lua”, pois eu tinha o estranho hábito de brincar sozinho. Um belo dia minha mãe me forçou a conhecer o vizinhos, foi a melhor coisa que me aconteceu.
Cena 3: Minha transformação aconteceu em uma velocidade fantástica, passei de um garoto tímido para um maluco falador, descobri que eu era engraçado, descobri que eu era inteligente, descobri o mundo, descobri a música, descobri as garotas, descobri o álcool, descobri as drogas e descobri que apesar de tudo isso eu ainda era o mesmo garoto solitário.
Cena 4: Minha cabeça fervia de idéias, a medida que conhecia novas pessoas aprendia algo novo com cada uma, aprendi a fazer filigrana, crochê, macramê, aprendi a tocar contra-baixo, violão, aprendi malabarismo, aprendi a atuar, aprendi a escrever. Comecei a escrever textos para stand-up, eu era bastante engraçado. Mas foi um dia em uma feira cultural que descobri o que realmente gostaria de fazer. Mágica.
ATO FINAL: Maturidade.
Cena1: Com vinte e três anos eu já era um dos mágicos mais prestigiados da nossa metrópole, com o passar dos anos as coisas só melhoraram. Aos trinta minha fama já se estendia por todo o continente. Aos quarenta eu já era conhecido mundialmente. Havia muito mistério a cerca dos meus números mágicos, não eram meros truques, eram os melhores truques, eram realmente impressionantes. Haviam os que diziam que eu era um bruxo, que tinha vendido minha alma ao diabo. A verdade é que dispunha da melhor ciência ao meu alcance.Só isso.
Cena 2: Quarenta e dois anos, essa era a idade que eu tinha quando fiz meu último truque. Último graças a um erro. Um erro assim tão vulgar, porém quase imperceptível. Um erro meu; foi o quê me destruiu. Sabe o que dizem “Um bom mágico nunca revela seus truques”, então, arquitetei o que seria o maior truque de todos os tempos, guardei segredo a cerca dos detalhes até masmo para minha sombra, eu o intitulei “Um encontro com Ades” e realmente se tornou isso...
Cena 3: Primeiro escrevi meu testamento. No mesmo deixei discriminadas as condições nas quais eu gostaria de ser enterrado. Primeiro não especifiquei herdeiros, nem o que deveria ser feito dos meus bens, apenas especifiquei onde gostaria de ser enterrado, numa cova feita no jardim da minha propriedade no Havaí, gostaria de ser enterrado dentro dum sarcófago que adquiri em uma viagem ao Egito, gostaria que o sarcófago fosse envolto por quatro pares de correntes grossas, presas por quatro pares de cadeados grandes. Estipulei que gostaria de estar vestido num smoking que fora do próprio Marlon Brando, a chave dos cadeados estava no tal smoking. Fui para o palco me achando o senhor do destino. Tudo ia bem, tudo ensaiado. Só não imaginei que não fossem respeitar minhas vontades póstumas. Não imaginei que fossem me trair.
Cena 4: Pode ser que por acaso, quem sabe talvez alguém um dia leia essas minhas memórias, registradas na tampa do meu caixão. Não sei se me sepultaram na minha propriedade no Havaí, com certeza não fui enterrado no smoking do Marlon, mas pelo vistos seus putos burro, lembraram de me enterrar na porra do sarcófago, lembraram das quatro correntes e lembraram também dos cadeados. Por tudo isso, muito obrigado, cambada de incompetentes.
E naquele belo sarcófago, enterrado sob o solo imundo de Niterói, “O Grande Vidal” passou suas últimas lastimáveis e sufocantes horas. Seus gritos não foram suficientes para salva-lo, sua fascinante mágica não o pôde transladar para outro lugar qualquer, seu dinheiro não pôde comprar o ar que veio a faltar, seus advogados não o puderam liberta dalí e apenas os mortos puderam ouvi-lo. A medida que as horas se iam o oxigênio também, a vida também, o tempo também. Os vermes chegaram, cearam e se lambuzaram. Do pó para o pó, porque “Quanto ao homem, os seus dias são como a erva, como a flor do campo assim floresce. Passando por ela o vento, logo se vai, e o seu lugar não mais será conhecido”.
“Duvidas quanto a misteriosa morte do grande mágico Luciano Vidal, também conhecido como “O Grande Vidal”, levaram o juiz Cézar Vieira a liberar a exumação do cadáver, depois de quatro anos finalmente o sarcófago do mágico pôde ser aberto, e para a grande surpresa de todos, no interior do caixão havia um texto, que aparentemente foi escrito pelo próprio mágico com a fivela de um cinto. Os peritos ainda investigam, mas tudo leva a crer que o mágico tenha sido enterrado vivo e que tudo não passou de uma tentativa frustrada de inovar no mundo da mágica.”
Folha cultural, Brasília, 15 de agosto de 2036
Nenhum comentário:
Postar um comentário