segunda-feira, 27 de julho de 2009

Você.


Você é o tipo que quase sempre está calado, pensativo, quase sempre, porém as vezes é muito falador; depende muito da companhia. É um cara bonito, mas nem tanto, existe coisa melhor no mercado e você sabe disso, sabe se arrumar bem quando quer; isso é verdade, mas essa sua barba falha, realmente não é muito galanteadora. Você é muitíssissimo inteligente, mas também é deveras preguiçoso, e isso num é nada vantajoso. Na maior parte do tempo você é um cara muito antipático, mas você faz isso tão bem que acaba por conquistar as pessoas. O seu tipão sério sempre se quebra quando você faz qualquer comentário, você é realmente hilário, quando quer. Conhece “um milhão” de pessoas, mas tem apenas alguns amigos pingados, talvez porque não confie em ninguém, apesar de sempre dar a vantagem a todo mundo. A verdade é que você é um louco que não se importa muito com a vida, porém “morre” de medo da morte. É difícil ser tão ambíguo. As vezes você entra em conflito sobre como agir, mas você é você, você sabe, você é o Á...

No vigésimo terceiro dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você fez todas as suas tosquices de humano, e o dia se foi, medíocre; assim como a maioria deles se vai. O relógio virtual de seu aparelho eletrônico marca vinte e uma horas, trinta e três minutos e vinte e oito segundos, você já está pensando em ir para casa, afinal o dia foi cansativo pra “caralho”; como sempre. Mas sabe que só poderá fechar o estabelecimento as vinte e duas horas. Clientes! Quem os consegue suportar?! Naquele programinha chato, que serve para a comunicação artificial-interpessoal via internet, você pode notar que uma determinada “pessoinha”, por quem você, entre aspas, tem um enorme apreço, está, como dizem “On”. Então essa “pessoinha”, como você mesmo gosta de se referir, decide começar um diálogo, utilizando essa interface fria e separadora, com você. Ela diz “Oi”, você diz “Oi”, tudo na paz, ela pergunta “O q vc vai fazer + tarde????”, você responde “sei la, hj to ,muito cansado, pq?”, ela diz então, “Ia te chamar pra jogar sinuca”, daí você pensa consigo, “Caramba, eu tõ cansado pra caralho, mas como vou recusar um convite... dela?”, mas antes que você possa digitar mais uma mensagem cibernética, para essa consciência cibernética com quem você tanto conversa, ela completa “Acho melhor sairmos amanhã então”. "Ufa!" Você pensa. Você começa a planejar o amanhã...

No vigésimo quarto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Que se dane como será o seu dia, você não dá a mínima, afinal, o que importa mesmo é o que acontecerá logo mais a noite. Vinte horas, trinta e sete minutos e quarenta e dois segundos. Você não tira os olhos do seu relógio cibernético, a ansiedade lhe come as entranhas, e esses clientes... Cambada de ignorantes. Vinte e umas horas, cinco minutos e doze segundos. Já chega de esperar. Ela te ligou não fazem quatro minutos reclamando “Por que você sempre chega tarde?”. Você sabe que tem que ir ou vai acabar perdendo o bonde. De repente uma parte malévola de sua mente o faz lembrar que um daqueles clientes chatos saiu e esqueceu uma caixa de bombons na sua geladeira. “Hehe”, você sorri diabólicamente. Vai até a geladeira e se deleita com alguns daqueles subprodutos lactosos provenientes do cacau. Idéia, ideias sempre vem a calhar, você se lembra que ela simpatiza bastante esses produtos lacto-cacalíticos. Dentro das paredes 20x10 de papelão ainda restaram dois invólucros, um contendo do subproduto mais comum do cacau, também conhecido como chocolate preto, e outro contendo do branco. Dúvida. Você não se lembra qual é o favorito dela. Você sabe que o seu favorito é o de cor clara, então o degluta. Põe o de cor escura no bolso direito mais baixo do seu calção, que fica sete centímetros acima do seu joelho. Você bota todos os clientes para correr, pega a sua motoneta e vai rumo a casa dela.
Como sempre, ela ainda está no banho. A demora é infinita, você começa a imaginá-la saindo de longo vermelho e scarpin, e isso o deixa nervoso, você pensa “Será que terei que vestir um terno para ficar a sua altura? Só o que me faltava, até imagino quantos gaviões irão sobrevoar “minha pista de pouso”!”. Enquanto você a espera, fica sentado no sofá da sala, conversando com a mãe e a irmã de sua estimada “pessoinha”, elas fazem comentários sobre um daqueles zoológicos humanos televisionados pelas emissoras na intenção de hipnotizar o público que ainda tem neurônios funcionais, você diz que não assiste essas coisas, acha sem valor cultural. Você é mesmo um babaca, dizer aos canibais que é pecado comer carne humana? Daí acontece o inesperado, a mãe da “pessoinha”, concorda com você, ela começa a discursar sobre a vida, filosofia pura, nada barata, cara, tem o preço de uma vida de sofrimentos e aprendizado. Você ouve o som da porta do quarto da sua tão esperada donzela se abrir, mas as palavras da jovem anciã que continua a discursar a respeito da vida lhe roubam a mente, o hipnotizam. Quando finalmente ela para, você olha para trás, lá está ela, linda, simples, apenas uma calça jeans, camiseta preta, tênis fuleiros, e um sorriso na face, e que sorriso, um sorriso assassino, sim, porque seu coração para nesse momento. Ela diz “Oi Á...!”. Ela nunca fala desse jeito, tão doce, tão alegre. Você sorri. Ela diz “Hmn, eu preciso ir no supermercado primeiro, comprar uma coisinha pra minha mãe.”
Na porta você a surpreende, tira o invólucro furtado do bolso e diz ”Trouxe um presentinho pra você!”, ela abre um sorriso e diz “Obrigado!”, com uma intensidade... Aí ela diz “Mas eu prefiro aquele outro...”. Você pensa “Hell, hell, hell, eu comi o outro”.
No supermercado é tudo muito rápido e corriqueiro, corredores, pessoas, vocês compram o que tem que comprar e vão pra fila do caixa. Na fila você fica parado, não sabe o que dizer, não tem o que dizer. Você fica cantando uma música que leva o nome dela “A... de Amsterdam” . Ela pergunta “Hmn?”, você diz “Nada, eu só estava cantando: “A... de Amsterdam”. Você conhece?”, ela diz “Não”.
Vocês vão a um bar, bebem uma cerveja, jogam sinuca. Vocês vão a outro bar, bebem mais duas cervejas, nada de sinuca. Vocês voltam para o primeiro bar, na esperança de jogar mais sinuca, porém o estabelecimento já está fechado, você tem a idéia de ir a um lugarzinho que conhece, mas também está fechado. Vocês voltam ao segundo bar, mais cerveja, mais sinuca. Você começa a reparar que ela está ficando alterada, você está ficando sonolento. Vocês começam a jogar numa mesa com dois caras que você nunca viu antes, você já está com tanto sono que nem sequer acerta as bolas, saem boas risadas por todos os lados. O que o incomoda é que ela é única representante do sexo feminino na mesa, você como o autêntico macho que é fica inevitavelmente de cara fechada, até tenta disfarçar, mas ela te conhece bem e começa a reparar. Você começa a se por de canto, se fazer de coitado. Ela vai para junto de você e diz “Poxa tem um gatinho na outra mesa e eu acertei ele com o taco. Rs”. (Detalhe, vocês são só amigos, isso nunca foi um encontro, vocês sempre saem juntos). Mas o sentimento que você porta por ela o impede de disfarçar o incomodo causado pela frase que ela proferiu, você pensa “Por que será que ela faz isso comigo? Será que ela não sabe o que eu sinto?”. Ela te abraça e diz “Á... me diz, você gosta de mim?”, você responde “E se eu gostar?”, ela retruca “Aí eu vou ter que bater a real em você... nós somos só amigos”. A noite ia ótima até então, fim de festa pra você. Vocês vão para fora, sentam em uma mesa, bebem outra cerveja. Ela insiste “Á... vamos conversar, você gosta ou não de mim? Me diz!”, você abaixa a cabeça e pensa “Que se foda!”, ai você diz “Gosto, eu gosto de você, mas... eu até gostaria de ter algo com você mas... eu te acho muito imatura... talvez daqui uns quatro anos... você é minha amiga...olha você só precisa entender que gostar de você não me impede de ficar com outras”. Ela pensa por um instante, assimila a informação, e fala “Amizade colorida, que tal? Assim a gente continua a ser amigos, mas ficamos juntos”. Você pensa “Poxa, num é isso que eu quero”, mas você diz “Esse é o sonho de todo cara”. Daí ela diz “Que tal o primeiro beijo então?”, você diz “Aqui?”, ela fala “É!”, você diz “Então é melhor eu me sentar ai do seu lado”, ela responde “Não daí mesmo, assim fica mais..”, “Romântico?” você diz, ela balança a cabeça quase que afirmativamente, você continua “Com óculos ou sem óculos?”, Ela diz “Com óculos”. Vocês se beijam, imagine, beijar sua melhor amiga, você se sente meio estranho a princípio. Mas sentir aqueles lábios grossos, carnudos, entorpecedores, aquele boca pequenina, macia, faz tudo valer a pena. Você acha o beijo delicioso, você inclina sua cabeça para a direta, para a esquerda, você abre os olhos, olha no fundo dos olhos dela, ela sorri e o beija delicadamente. Perfeito. Ao termino vocês se olham, sorriem, ela diz que precisa de um segundo para processar, você acha engraçado. Daí pra frente a noite corre, um trilhão de loucuras, frases bobas, conversa de bêbado. Você a leva pra casa. Você a vê vomitar todo aquele álcool, essa foi a única parte lastimante de noite. Vocês dormem juntos num banco de praça. Ficam lá até as cinco horas, cinqüenta e quatro minutos e quarenta e seis segundos da manhã, já é sábado.

No vigésimo quinto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você acorda lépido, o mundo todo flutua. Você não é mais o mesmo. O seu celular mostra que são onze horas, cinqüenta e seis minutos e dezessete segundos. O tempo voa nas asas de um avião, você vai trabalhar, você volta do trabalho. Você sente um desejo repentino de visitar um certo casal de amigos, você chega na hora certa, como sempre. Parece que família e amigos estão reunidos, você se senta a mesa, come uma boa refeição, charque ao molho, com abóbora, batatas, arroz branco, refrigerante de caramelo; vulgarmente conhecido como “alguma coisa-cola”, tudo simplesmente perfeito! Uma boa conversa, muitos sorrisos, muitas histórias, alguns conselhos, ótimos conselhos, diga-se de passagem, que realmente tiveram influência sobre o seu destino. Você começa a ter idéias a cerca de um novo plano de carreira. Despede-se, como é de praxe, sobe em sua motoneta e parte. A noite está apenas começando. Você vai ao encontro de um certo outro amigo que acaba de chegar de viagem, infelizmente você não o encontra no local marcado, você chegou meio atrasado, e parece que não existem mais os quinze minutos de tolerância. Você vai para sua casa. A ansiedade por sair o mata. Você vai até um orelhão com alguns cartões velhos, você tem uma unidade apenas, fala tudo com muita pressa. Ele vem até sua casa. Vocês vão jogar sinuca. Conversar. Você conta as peripécias da noite passada. Conta do beijo. Você está nas nuvens. Ele também tem uma novidade pra você. Ele diz “Cara eu acho que peguei a gripe suína”. Você gargalha da cara dele o resto da noite. É evidente que ele é hipocondríaco.

No vigésimo sexto dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: Você visita novamente o seu amigo doente, ele diz que continua a piorar. Você almoça com ele, você almoça pouco, pois ainda tem que almoçar em casa. Hoje é aniversário da sua tia, a família se reúne. Você vai pro trabalho.Você é “obrigado” a fechar o estabelecimento mais cedo para levar seu amigo, agora não tão hipocondríaco, ao hospital. Parece que ele realmente está mal, ele fica repetindo incessantemente “Cara eu num posso morrer! Eu sou filho único”. A única coisa que passa na sua cabeça é o tal beijo. O dia passa inútil, você não se lembra do que comeu, ou o que vestiu. Algumas dúvidas assolam sua mente. “O que será da gente agora? Será que as coisas vão ficar estranhas? Será isso? Será aquilo? Será aquilo outro? Será? Será?...

No vigésimo sétimo dia, do mês de julho, do ano de dois mil e nove: O dia passa em branco. Casa, comida. Trabalho, clientes. Você ainda não conseguiu falar com ela. Você ainda não teve coragem de ligar pra ela. Ela também não te ligou. Você começa a se perguntar “Por que ela ainda não ligou? Ela sempre liga!”. Você conversa com uma “fã” sua, utilizando novamente a interface sintética que possibilita a comunicação artificial entre seres humanos que consideram importante tal forma de diálogo, ela lhe diz “Liga pra ela!”. Você apenas espera. Como uma rocha espera. A tarde se vai. Um telefonema bastaria, passaria a limpo a vida inteira. Cai a noite, doce escuridão, sem fazer a ligação. São dezoito horas, quarenta e nove minutos e vinte e três segundos. Você se levanta, deixa o estabelecimento sozinho, vai ao orelhão mais próximo, liga para ela, a mensagem eletrônica diz “Hi, esse número está temporariamente indisponível”. Você então procura no seu celular o numero de telefone da mãe da “pessoinha”. Você fica hesitante, afinal, na última vez que você saiu com a filha dela vocês chegaram as seis da manhã. Mas a dúvida está lhe corroendo. Você liga. Chama, você ouve sete intermináveis “Bips”, até que alguém atende “Alô”, “Alô, quem fala?” você pergunta, “É a N...” responde, “A A... está?”, “Peraí”. Demora alguns segundos, você fica apreensivo, dependendo da forma como ela disser o “Alô” você saberá como está a situação. “Alô”, você ouve do outro lado da linha, é o melhor “Alô”, que você já ouviu. A voz dela está infernalmente angelical, as suas dúvidas caem por terra nesse exato momento, você sente que as coisas estão melhores do que antes, você não sabe o que será do futuro agora que você tem um novo plano de carreira, mesmo assim o seu coração se inunda de alegria. Você respira fundo e diz “Alô”...

No dia primeiro, do mês de agosto, do ano de dois mil e nove: Você mal pode aguardar para que chegue...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O maníaco da latinha.


“Uma certa , caridosa senhorita, que conheço, outro dia me disse: “Eu não gosto muito de contos, são sempre iguais. Você já reparou como sempre terminam da mesma forma? Sempre tem um final bizarro; a morte da esposa, do vizinho, do gato, da galinha...”. Pensei bastante nessas palavras, então decidi que deveria fazer por honrar os leitores dando-lhes algo menos medíocre que de costume. Nesse conto relatarei uma das minhas mais estranhas experiências vivida. Desde já obrigado. Chibolete.”

São 12:29, estou aqui deitado com a boca aberta cheia dentes esperando a morte chegar, na verdade estou esperando a hora de ir trabalhar, gosto de ser dramático em minhas narrativas. Ocasião que pede uma bela sobremesa, assim como qualquer outra ocasião. Começo a lembrar do almoço, miojo com certeza não é a refeição preferida de muitos, mas na atual conjuntura veio bem a calhar, miojo ao molho branco com calabresas e milho. Estou aqui deitado; tirando uma cesta, numa cama cujo dono desconheço, olhando para a foto que uso como papel de parede no meu celular e fantasiando coisas. Nas minhas fantasias sou Casanova, Calígula, Baco, ou eu mesmo. Meu libido me leva a fantasiar coisas estranhas, chocolate, sorvete, cerejas, morangos, leite condensado... Huuu leite condensado! Acho que tem umas duas latas de leite condensado no armário (Esqueci de mencionar, eu estou na casa da minha patroa, ela está em uma viagem de férias e me pediu que ficasse aqui). Levanto-me e vou até o armário da cozinha; o armário é branco, dividido em três grandes compartimentos, o superior e o inferior são fechados por quatro portinholas, o compartimento intermediário leva pequenas portas deslizantes de vidro. Lembro que as latas estavam na terceira porta do compartimento mais alto, a contar da esquerda para a direita. Aqui estão elas. Suas formas cilíndricas, levemente acinturadas, me provocam uma espécie de ereção mental. Elas se encontram uma encima da outra, o que me trás á tona delírios de HOLLYWOOD. Essa cena me lembra de alguns totens que vi em Recife. Eu pego apenas a que está por cima d’outra, a trago pra junto do meu peito e suspiro com força, para que até mesmo essa simples latinha de leite condensado possa perceber meu êxtase. Coloco-a encima do balcão de granito que divide a pequena cozinha da copa. Lá está ela, parada, formosa, deliciosa. Eu quase consigo ouvi-la dizendo “Me possua. Deleite-se em meu néctar lactoso”. Acho que estou ficando louco, talvez a solidão pela qual tenho passado esteja me fazendo surtar a ponto de ter fantasias com uma lata. “Consciência, você não é bem vinda, agora!”, digo para os ares. Na pia da cozinha, dentro do faqueiro, encontra-se uma daquelas facas enormes que são usadas nesses filmes baratos de suspense. Eu vou até ela, a pego, lavo; estava com uns restos de fígado. Eu afago a latinha, com bastante carinho, assim ela nem perceberá quando eu a apunhalar. Eu a apoio sobre o balcão, a olho com firmeza, e com um golpe certeiro a penetro com a enorme faca na parte superior junto á margem. O leite condensado jorra, é realmente impressionante, não imaginei que meu golpe teria tal resultado. Eu retiro a faca a esfaqueio de novo, só que dessa vez próximo a outra margem. Não jorra tanto leite condensado como antes. Acho que a “hemorragia” está coagulando. Eu giro a faca ainda presa no buraco. Enfio a faca no outro buraco e executo o mesmo movimento. Agora ela está absolutamente rendida a mim. Posso fazer o que bem entender com ela. De prima havia imaginado fazer coisas libertinosas usando o conteúdo dessa lata, mas levando em consideração os fatos. Eu estou sozinho. Woody Allen, certa vez, disse : “Não despreze a masturbação; é fazer sexo com a pessoa que você mais ama”. Por que diabos isso veio a minha mente? Começo novamente a pensar que estou perdendo o juízo. Afinal usar leite condensado para fazer “isso” seria meio nojento, mesmo porque... só de imaginar aquela mistura de leite condensado com... HURGH. Tenho outra idéia. Abro a geladeira, misturo algumas gotas chocolate, com um pouco de cereal de arroz, coco ralado, creme de leite e leite condensado. Pronto. Minha sobremesa está pronta.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Salmo 23, versículo 4


"Certa vez ouvi falar que foi feita uma pesquisa na qual era perguntado para as pessoas se gostariam de saber o dia de sua morte, segundo a pesquisa 96% dos entrevistados disse que não. Eu também não gostaria de saber. Não gostaria de ter sabido."

Ainda era cedo da noite, era uma quarta-feira cinzenta, uma daquelas onde não se tem nada para fazer. Rodrigo saiu de casa sem rumo, sem idéias, apenas vazio. Caminhou pelas ruas de seu bairro, caminhou pelas ruas do bairro vizinho, pegou o metro, foi ao centro. A noite perecia infinita. Rodrigo entrou em todo o tipo de lojas que encontrou pelo caminho, gastou um pouco do seu dinheiro mofado. No celular de Rodrigo eram 23:42, tudo estava fechando, o fluxo de pessoas parecia cada vez menor. Decidiu pegar um taxi e voltar para casa. No fim da rua por onde passava ele pode avistar algumas luzes bastante coloridas, curioso decidiu averiguar, ao se aproximar foi possível notar que era um velho parque de diversões. As lonas do parque já eram encardidas de tão velhas, a maioria dos brinquedos tinha a pintura descascada, o movimento já ia fraco. Rodrigo comprou uma maçã do amor, deu uma volta no navio pirata, outra no chapéu mexicano, então decidiu que já era hora de voltar para casa. Próxima a saída Rodrigo notou uma tenda que parecia não estar lá quando ele chegou, ou talvez simplesmente só não a tenha notado, a tenda tinha em sua frente uma faixa já antiga escrita “Madame Mollo”. Em um outro dia qualquer Rodrigo teria passado e não sentiria a mínima curiosidade de saber do que se tratava, mas nesse dia não, as coisas andavam estranhas. Ao entrar na tenda Rodrigo sentiu uma estranha sensação de Dejá vù, era como se já houvesse estada naquele lugar em um dos seus sonhos. No interior da tenda havia um pequeno átrio que era separado da parte conseguinte apenas por uma cortina de conchas, no átrio havia duas velhas cadeiras de madeira, na segunda parte da tenda havia apenas uma mesa redonda, coberta por uma toalha de crochê, havia duas cadeiras ao redor da mesa, uma mais próxima da entrada, dando a entender que seria do cliente, a outra estava mais ao fundo da tenda, nessa estava sentada uma senhora, aparentava ter cerca de cinqüenta anos, de cabelos pretos, roupas espalhafatosas, ostentava um olhar sinistro que causaria arrepios em qualquer demônio.
-Boa noite, meu filho! Disse a senhora.
-Boa noite. Você é a madame Mollo?
-Sim. Veio ver seu futuro, não?
-Eu.. não sei. Você é algum tipo de vidente? Né?
-Sim. Sou algum tipo.
-Então tá. Que mal teria, né?
Rodrigo assentou-se. Madame Mollo tocou-lhe as mãos e fechou os olhos, como se estivesse entrando em algum tipo de transe. O rosto de madame Mollo começou a mudar, sua face expressava uma dor excruciante, sua boca murmurava algumas palavras ininteligíveis. De repente seus olhos se arregalaram, ela ficou boquiaberta, começou a soluçar e disse.
-Você...você...quero dizer...
-O quê a senhora viu?? Disse um pouco assustado.
-Eu..eu...nada...você terá uma vida feliz e prospera. É só.
-Quê? Só isso? Mas...
-Meu filho se você puder me deixar agora, eu estou cansada e...
-Como assim?
-Essa consulta fica por conta da casa ok?
-Não. Eu quero saber o que foi que a senhora viu. Eu pago. Quanto a senhora quer? 100? 200? Está aqui. Agora fale.

Madame Mollo ficou calada por alguns segundos.

-Certo...Eu vi a sua morte.


-Bem meu nome é Pedro Noleto de Bezerra, tenho 37 anos, sou odontólogo, solteiro, moro sozinho, gosto de pintar, faço pintura á óleo. Bem, eu sou meio tímido, mas sempre tive um bom convívio com todo mundo.

São 8:23 da manhã, pelo menos é isso que diz o rádio-relógio que está na cabeceira da cama de Pedro. Os olhos de Pedro se abrem para o teto, sua cabeça dói, a noite foi péssima, dormira apenas vinte ou trinta minutos essa noite. A insônia o manteve pensativo. Realmente não é muito animador ouvir alguém lhe dizer como e quando você vai morrer, pior ainda quando essa pessoa diz que acontecerá dentro de 23 horas. Na cabeça de Pedro ecoavam as palavras de Madame Mollo, a única coisa em que ele pensava era em como poderia se esquivar do destino. Na noite passada enquanto passeava pelo parque Pedro cometeu o ingênuo erro de dar suas mãos para serem lidas. Agora sua cabeça agita em pensar que sua morte está tão próxima. Pedro levanta tremulo, vai ao banheiro, é cauteloso em tudo que faz, escova os dentes, acha melhor não o tomar banho, tentar comer, mas a comida não desce. Pedro fica duas ou três horas sentado no sofá, pensando em tudo que fizera na vida, mas o que mais lhe rói o coração é a lembrança de tudo que não fizera. Todas as aventuras que perdeu, todas as loucuras que deixou escapar, todos os amores que nunca viveu. Os vasos sanguíneos do cérebro de Pedro se dilatam, ele tem uma idéia: “Já que irei morrer. Que se dane a sensatez”. Pedro se levanta, vai até o guarda-roupa, veste seu melhor terno, sua melhor camisa, sua melhor gravata, calça seus melhores sapatos. Sai de casa, acha melhor ir a pé, vai ao banco, faz um “limpa” em sua conta. “E agora que loucura farei?”. Então Pedro lembra-se dos tempos de faculdade, quando todos os alunos se esbaldavam em boates de stripers. Pedro acena para o primeiro taxi, entra, senta-se e tímido pergunta: “É... o senhor conhece alguma... alguma daquelas boates de stripers?”. A fachada da boate é bem singela, não passa de um prédio com tijolos expostos, as enormes janelas são de vidro espelhado impossibilitando que se veja o que acontece no interior. Ao entrar Pedro se depara com o paraíso, mulheres semi-nuas andando para lá e para cá o tempo todo. Ele caminha até uma das mesas, e assiste a mais bela apresentação de dança que já viu. Ele gasta tempo e dinheiro. Ele vê todas as stripers bem de perto, ele enfia dinheiro em suas calcinhas e sutiãs como se vê nos filmes de Hollywood. Ele recebe danças particulares. Ele se sente Salomão com suas mil concubinas. O dia se vai. Pedro nota que algumas dançarinas se retiram dos pequenos palcos dando lugar a outras, parecem estar indo embora. Os vasos sanguíneos do cérebro de Pedro se dilatam. Pedro tem outra idéia. Apressa-se e sai da boate, dá a volta no prédio e espera que alguma dançarina saia. Não demora muito ele vê três delas saindo, ele se aproxima e diz: “É... com licença garotas, é... eu gostaria de saber se vocês... topariam fazer uma espécie de apresentação... particular?”. Uma delas responde:”Seu porco! Acha que somos o que? Putas? Vai tomar no seu cú.”. Mas outra interrompe: “Quanto você paga?”. Pedro pergunta: “Quanto você cobra?”. “Pra ter isso aqui meu querido... dois mil. Á vista.”. Pedro: “Eu pago!”. Dali saem, pegam um taxi e vão para um motel. Pedro nunca tivera uma mulher daquele jeito. Ele fez tanta sujeira. Se lambuzou a noite inteira; até ficar saciado. Depois de um dia como esse Pedro não se importa mais com a morte, ele decidiu caminhar até chagar em casa, não se importa se for assaltado, não se importa se for baleado, encara feio todos os tipos estranhos que aparecem em seu caminho. Pedro atravessa as ruas sem olhar para os lados. Ele estufa o peito como se fosse Sean Connery . Pedro vê sua casa. Pedro pensa “Vidente estúpida”. Mas enquanto Pedro atravessa a rua ouvi alguém lhe gritar: “Blá blá blá!”, Pedro nunca teve os ouvidos bons. Pedro olha para trás, era a vizinha, Dona Rita. Pedro pergunta : ”Hã??”. Pedro não vê o caminhão de lixo. O motorista do caminhão de lixo não vê Pedro. Dona Rita vê o caminhão e grita: “Cuidado... com o caminhão meu filho!”. Pedro se vira e pergunta “Hã??”. Se ela não tivesse dito nada. Se ele não houvesse parado. Se o motorista não estivesse distraído vendo um vídeo pornô em seu novo celular. E se...
Enquanto Pedro agoniza no asfalto, enquanto seu sangue se espalha para todos os lados, enquanto os vizinhos gritam, enquanto o ar lhe falta, enquanto o céu escurece. Pedro apenas se lembra das palavras de Madame Mollo...

Rodrigo acordou com o despertar do celular, eram 8:23 da manhã. Não importava que horas eram, para Rodrigo só importava o lhe aconteceu na ultima noite. Ele estava fixado nas palavras de Madame Mollo. Rodrigo não se importou em levantar. O dia nasceu mórbido, nebuloso. Rodrigo sentou-se a beira cama e pensou : ”Droga!”.

-Meu nome é Joham Kinsky, tenho 49 anos, sou militar aposentado, divorciado, não tenho filhos, não gosto de animais, gosto de jogar sinuca, baralho e beber um bom whisky. Não sou o tipo com muitos amigos.

O dia começa cedo para Joham, são 4:08 e ele já está de pé, velhos costumes militares; as neuroses causadas pelos abusos no exército tornaram Joham paranóico e com um sono extremamente leve. Logo ao levantar lembra-se da noite passada : “Videntes...”. Joham nunca foi o tipo supersticioso. Ele só acredita na “Poderosa”; a “Poderosa” é uma Magnum calibre 45 que ele carrega consigo. Joham assiste TV, come bacon, fica entediado; como sempre. Joham espera o dia amanhecer; como quem aquece a água sem deixar ferver. Com o sol já alto ele sai para caminhar. Ele mora num bairro meia boca. As casas são feias e velhas. A vizinhança é pobre. Existem muitos animais e mendigos largados nas ruas. Mas o que mais irrita Joham são os jovens. Não todos os jovens; só os traficantes. Mas o que mais irrita Joham não é o fato de serem traficantes; é o faro de serem traficantes negros. Joham sempre admitiu ser racista, isso inclusive lhe causou sérios problemas no exército. Após sua caminhada matinal ele volta para casa, ao chegar á porta é abordado por um de seus vizinhos que diz: “Joham. Você ficou sabendo o que fizeram como o filho do Mauro? Os traficantes, aqueles desgraçados desossaram ele. Desgraçados”. Joham finge não se importar, dá de ombros e entra. Mas ele pensa: “Esse desgraçados já estragaram demais esse bairro. Eu não tenho filhos porque não gosto de crianças mas...”. Ainda eram 8:23 da manhã quando Joham começou a beber. Uma dose após a outra. De repente o estrondo dos canhões inimigos, granadas, helicópteros começam a atormentar os sentidos de Joham. Grandes doses de álcool sempre provocaram-lhe alucinações. Grandes doses de álcool sempre o deixam violento. Ele começa a quebrar as coisas. Jogar as louças nas paredes. Encharca toda a mobília com whisky. “Vou acabar com todos aqueles desgraçados”. Ele põe a “Poderosa” na cintura. Louco como um búfalo, procura em todos os becos, até encontrar. Ele vê um pivete vendendo drogas numa esquina. Ela se aproxima devagar e pega o muleque no sustos. O garoto deve ter por volta de doze anos, negro com dreadlocks. Joham o levanta pelos cabelos. Enfia a arma em sua boca e diz : ”Você me levará até o seu “quartel general”. São 23:42 da noite, Joham chega em casa banhado de sangue, cheio de cortes pelo corpo, mas com um enorme sorriso estampado no rosto. A única coisa que passa pela sua cabeça agora é : “Acho que hoje eu fiz uma bagunça e tanto. Hehe. A polícia vai ter um monte de pedaçinhos pra juntar”. Realmente oito corpos estraçalhados em quatro casa diferentes não é uma bagunça agradável para se limpar. Joham está contente, fez o seu papel de cidadão; limpando as ruas daqueles malfeitores. Joham abre uma garrafa de whisky, acende um cigarro e deita no sofá. Joham se esquece que antes de sair e dar uma de justiceiro ele havia feito também uma bagunça em casa. Joham se esquece qual é o produto de álcool+fogo.
As labaredas do cigarro caem sobre o sofá coberto de álcool, iniciando o incêndio, que se espalha pelas cortinas, paredes, mobília e equipamentos elétricos. Joham só percebe o fogo quando sente um cheiro de carne queimada no ar; o cheiro de sua própria carne. Joham arde em chamas. Ele sabe que aquele será o fim. Ele tem um ataque de risos. Joham apenas se lembra das palavras de Madame Mollo...

Rodrigo estava parado em frente a TV, a umas duas ou três horas; tinha medo de sair e ser atropelado, assaltado, ou sabe-se lá o que poderia acontecer. Rodrigo havia lido no jornal matinal sobre a morte de um cidadão na porta de sua própria casa; atropelado por um caminhão de lixo, o motorista foi indiciado por homicídio culposo. É claro que assistir TV não é o melhor remédio para quem já está apavorado. O jornal da TV noticiou a morte de um homem de cinqüenta anos em sua própria casa, vítima de um acidente doméstico, aparentemente o tal homem bebeu demais e causou um incêndio que tomou toda a residência e deu cabo de sua vida. Rodrigo estava apavorado, sua pressão ia aos céus e caia. “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”.

Olá. Meu nome é Fabrício. Tenho vinte e quatro anos. Sou solteiro. Inclusive estou a procura. Hehe. Bem meus hobbies... gosto de jogar vôlei de praia, na verdade eu só vou pra ver as garotas de biquíni. Bem... também gosto de dançar. Me dou muito bem com as pessoas, todo mundo sem exceção.

O dia já vai alto e Fabrício ainda dorme. Fabrício sempre foi um “boa vida”, namorador, sustentado pelos pais e etc. Ele vive num apartamento de classe média; que também é bancado pelos pais. Parece que ele vai dormir até amanhã. Parece que a noite foi boa. Ele provavelmente nem se lembra com quantas garotas transou na noite passada. Ele provavelmente nem se lembra o que Madame Mollo lhe disse na noite passada. Mas o destino é sujo e sorrateiro, ele não deixa barato, ele sempre dá uma jeito de nos lembrar quem é que manda nesse “cabaré”. Fabrício está tendo sonhos eróticos com alguma peituda. No sonho uma mulher vem andando por um longo corredor, algumas luzes vermelhas decoram o lugar, ela está vestida num tipo de roupa árabe, ou indiana, algo não muito bem definido. Ela vem devagar, seu corpo se mexe num ritmo estranhamente excitante. Suas formas, seus olhos e seus olhares, seus dentes e seu sorriso. Ela devora o juízo de Fabrício. As roupas de ambos somem. Eles estão numa praia. Ela se apóia sobre as coxas de Fabrício enquanto se ajoelha. Ela pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. O presidente Kenndy pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. A falecida avó de Fabrício pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. Madame Mollo pergunta “Como vai garotão? Que tal um boquete?”. Fabrício acorda apavorado. “Droga de sonho!”. Agora Fabrício se lembra de Madame Mollo e do que ela lhe disse. Fabríco não acredita nesse tipo de coisa, ele só entrou na tenda dela porque estava muito “chapado” e nem sabia o que estava fazendo. Fabrício se levanta. Já são 15:16. A fome aperta. Fabrício não é o tipo convencional, quem se importaria em comer se soubesse que existe um possível risco eminente de morte? Fabrício pega telefone para pedir algo para comer, a linha está muda. Ele tenta ligar a TV, está sem energia. Ele decide ir ao vizinho verificar se estão na mesma situação, a porta de seu apartamento está trancada, ele não acha as chaves. “Mas que porra ta acontecendo?”. Fabrício começa a se preocupar com situação. Ele vai a janela olha para os lados, aparentemente tudo vai normal na rua. Ela decide se arriscar e andar pelo parapeito do prédio na tentativa de chegar ao apartamento vizinho e pedir ajuda. O parapeito está molhado. Ele caminha com cautela. Ao chegar á janela vizinha ele bate e diz: “Ô de casa. Alguém ai?”. Fabrício não cauculou bem em que janela estava batendo, infelizmente era a janela do banheiro. A vizinha assustada deu-lhe uma vassourada, Fabrício ficou pendurado no parapeito. Nesse momento ele se lembrou das palavras de Madame Mollo. Foi então quando a enorme e gorda mão do Sr° Marcelo o puxou para dentro salvando sua vida. Sentado na mesa da cozinha Fabrício pensava na forma miraculosa como escapou da morte. Pensava “É... acho que é hora de mudar de vida!”. Estranhamente as coisas voltaram a funcionar, o telefone voltou a pulsar, a energia voltou, até a chave ele encontrou; dentro do tênis que havia usado na noite anterior. A fome veio novamente. Na geladeira de há apenas essas besteiras que os jovens comem, doces, salgadinhos, refrigerante, cerveja. A única coisa que quase poderia se equiparar a uma refeição é um sanduíche velho, já deve ter uma semana que ele está ali no canto, mas sua cara não é das piores, a alface escureceu um pouco, o tomate está um pouco murcho, mas a carne ainda parece saudável, além do que não fede. “Um minuto no micro-ondas resolve”. Pensa Fabrício. Após um minuto no micro-ondas lá está ele, o sanduíche, cheiroso e suculento como novo. Fabrício abocanha com ganância, o stress que passou só aumentou sua fome. Mordida após mordida o sanduíche vai se tornando menor. Fabrício se lembra do que sua mãe dizia : “meu filho comer rápido faz mal!”.
Certa vez eu vi em um comercial que “perigoso é ervilha”. Fabrício pode comprovar isso. Em uma das mordidas afoitas Fabrício se engasga com uma reles ervilha. Uma reles ervilha teimosa que se agarra a garganta de Fabrício e o começa a sufocar. Fabrício primeiro tosse algumas vezes para tentar expeli-la, mas ela é bastante teimosa e não se entrega tão fácil. Fabrício inflige alguns socos contra o peito. Fabrício começa a se preocupar. Fabrício toma um copo d’água. Nada. Fabrício se entrega ao desespero. O seu cérebro não está mais oxigenando. Ele fica tonto. Ele cai e começar a engatinhar. Ele começa a rastejar. Ele começa a se debater. Ele começar a tremer. Ele começa a agonizar. Nesse momento Fabrício se lembra apenas das palavras de Madame Mollo...

Rodrigo decide não sair de casa. Com certeza o exterior é bem mais perigoso que o aconchego de sua residência. São 15:16. Rodrigo mata o tempo jogando “Paciência”. Alguém bate a porta. Rodrigo olha através do olho mágico, é sua noiva. “Rodrigo! Abre a porta! Rodrigo você ta ai?”. “Sim amor. Eu to aqui. Mas eu num posso abrir não”. “Mas que diabos deu em você, ta deixando todo mundo preocupado contigo. Você num foi trabalhar, num ligo pra ninguém, num ligou pra mim. E por que eu num posso entrar?!”. “Olha amor é complicado. Confia em mim!”.”Você ta com alguma piranha ai né? Seu sem vergonha!”. “Não amor num é isso. É sério eu num posso abrir. Depois te ligo. Tá? Tchau! Te amo.”

Meu nome é George Carvalho Rezende. Tenho sessenta e sete anos. Sou casado. Tenho três filhos e cinco netos. Gosto de jogar dominó. Canto no coral da terceira idade na minha capela. Sou tenor. Sou o tipo bem afetivo. A vizinhança gosta muito de mim.

O dia nasce cedo para George, com a idade vem essas indisposições que não deixam as pessoas de mais idade dormirem direito. George sofre de um problema na próstata. Foi constatado um câncer á pouco tempo. George viaja até a cidade vizinha pelo menos uma vez ao mês para as sessões de quimioterapia. Isso deixa George muito deprimido, mas ele não deixa que isso tire sua alegria e bom humor. Ele se levanta, diz a esposa que a ama. Faz a barba, escova os dentes e toma uma ducha. Toma seu café com pão. Lê seu jornal. Espera o almoço. Almoça. Vai jogar dominó com os amigos. Vai ao coral. Vai á missa. Volta para casa. Vai dormir. Todos dias são tão iguais. Como diz aquela garota “beatinik” “Viver é chato e bonito”. Faz trinta e sete anos que George se levanta e diz á mulher que a ama. Ás vezes ele se pergunta “Por que eu ainda insisto em dizer isso? Afinal ela só responde um “eu também” se co e mecânico!”. Mas ele não deixa morrer o sorriso que carrega na face. Desde os dezessete ele faz a barba todos os dias, papai sempre lhe dizia que cara barbada é coisa de vagabundo. Mesmo assim nunca deixou morrer o sorriso. Até o café com pão já se tornou enfadonho, por que não bacon, ovos, sorvete, refrigerante? O jornal, o jornal é sempre tão igual, morre um atropelado aqui, um incêndio ali, as vezes vê-se algumas noticias deveras interessantes como por exemplo uma que está tirando algumas risadas malignas de George: “Jovem morre engasgado com ervilha”. Talvez George devesse parar de ler esses tablóides sensacionalistas. Enquanto espera o almoço George fica na varanda. O almoço é sempre o mesmo; sua mulher cozinha maravilhosamente, mas trinta e sete anos “cavucando a mesma cumbuca” é entediante para qualquer um. Hoje George não vai jogar dominó, nem irá ao coral. Hoje George irá até a capital para fazer mais uma sessão de quimioterapia. No ônibus a vida chata passa pela cabeça de George, ele fica martelando tudo o que abdicou. Na noite passada George foi á um parque da cidade, entrou na tende de uma vidente, lembrar disso causa-lhe uma crise de risos porque a mesma o disse que ele morreria. A morte já não é mais tão assustadora para George, ele convive com ela todos os dias, morrer não seria uma surpresa, nem para ele nem para ninguém que o conheça. As sessões de quimio são sempre muito doloridas, George deseja morrer a ter que passar por isso novamente. É sempre tudo tão igual. Ao sair do consultório George para e fica, ali estagnado no meio do corredor do hospital. George fica ali, apenas ali. George olha para a janela, sai correndo, todos ficam achando estranho aquele senhor correndo no meio do hospital. George lança-se pela janela.
O vento no rosto de George o faz lembrar a vez que foi ao Beto carreiro World e deu uma volta na montanha russa. A luz do sol o faz lembra aquela cena final daquele filme do qual ele não lembra o nome nesse momento. A velocidade o faz lembra que ele não verá a final do campeonato mundial de fórmula 1. A vida. Esse momento de liberdade não tem preço. Voar. Voar. Cair. Cair. O chão. Agora vem a mente de George as palavras de Madame Mollo...

Rodrigo passou o dia todo dentro de sua casa, escondido embaixo dos edredons. Até então não houvera a mínima ameaça de morte, mas todo cuidado era pouco. Afinal Madame Mollo foi bem convincente. Rodrigo não comeu. Rodrigo não bebeu. Rodrigo nem se quer saiu na porta. Ele dispensou sua noiva. Faltou ao serviço. Toda a sua vida passou-lhe diante dos olhos. Tudo que fizera e não fizera. A sorte que tivera e que lhe faltara. As amizades, família, escolhas. O amor. As crenças. Doenças. Agora tudo parecia ter um valor incomensurável. Talvez tudo não valesse nada. Talvez.
Rodrigo se levantou. Foi até o espelho, gastou algum tempo olhando sua deplorável imagem pálida. Abriu a carteira, rasgou o seu dinheiro podre. Finalmente saiu de casa. O por do sol o deixou levemente emocionado. As crianças voltando da escola o deixaram levemente emocionado. Até o cachorro sarnento que mora nas ruas se coçando mexeu com seu coração. Rodrigo não pôde suportar essa dor dilacerante. Em um ato de puro desespero Rodrigo correu pela rua como se estivesse endemonhinhado. O pânico fez com que ele pensasse em apenas uma coisa. A morte. Ele viu ao longe o ônibus que faz a rota em sua quadra. O pânico fez com que ele pense em apenas uma coisa. A morte. O ônibus se aproximava. O pânico fez com que ele pense em apenas uma coisa. A morte. Ele se jogou na frente do ônibus. O pânico fez com que ele pense em apenas uma coisa. A morte.
Rodrigo abriu os olhos. Vida. O ônibus freou. Vida. Rodrigo suspirou. Vida. Nesse momento as primeiras coisas que vieram a mente de Rodrigo foram as palavras de Madame Mollo...


Pedro apenas se lembra das palavras de Madame Mollo... “Você morrerá esfaqueado, em um assalto!”
Joham apenas se lembra das palavras de Madame Mollo... “O senhor morrerá afogado em seu próprio vômito”
Nesse momento Fabrício se lembra apenas das palavras de Madame Mollo... “Morrerá em uma queda, cairá de algum lugar bem alto!”
Agora vem a mente de George as palavras de Madame Mollo... “O senhor morrerá de um infarto fuminante!”


Á beira de uma estrada qualquer, em um canto qualquer do país está Madame Mollo, estirada em seu sofá, ouvindo o seu rádio á pilhas e fumando sua maconha. No rádio; em um desses programas cheios de terrorismo, ouve-se a notícia de uma triste tentativa de suicídio de um senhor de sessenta e sete anos, que não morreu mas ficou tetraplégico, ouve-se falar do jovem que morreu engasgado com uma ervilha, ouve-se falar do ex-militar que aparentemente ateou fogo em seu próprio corpo, ouve-se falar do homem atropelado por um caminhão de lixo, ouve-se falar do desespero humano, da falta de fé, de convicção, do medo da morte. Madame Mollo não dá bola, ela continua a fumar sua maconha.

"Certa vez ouvi falar que foi feita uma pesquisa na qual era perguntado para as pessoas se gostariam de saber o dia de sua morte, segundo a pesquisa 96% dos entrevistados disse que não. Eu também não gostaria de saber. Não gostaria de ter sabido."

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Letes


Todos os fatos a seguir são verídicos, os trechos de textos e matérias foram cedidos para que haja mais precisão nas informações, as narrativas fictícias tem como único objetivo aproximar o leitor da melhor compreensão dos fatos.

...arght... que gosto esquisi...mas...onde?...onde estou?...tá...tá tão escuro...que cheiro é esse?...essa roupa...onde..onDE?...ONDE EU ESTOU???AH, AH, AH, SOCORRO, SOCORRO, ONDE EU ESTOU? ONDE EU ESTOU? ALGUÉM AÍ? ALGUÉM? ALGUEMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!

O motivo dessas memórias é que não sei o que será de mim. Estou preso num local aparentemente sem saída, aqui é escuro e fede a produto de limpeza. Peço desculpas pela péssima caligrafia, mas a única coisa que me restou para escrever foi uma fivela do meu cinto. O espaço que tenho para escrever é curto, por isso serei o mais breve possível. Dividirei essas memórias em atos e cenas para facilitar o entendimento cronológico.

ATO 1: Infância.

Cena1: Meu pai era um cigano, minha mãe uma moça do campo. Conheceram-se como qualquer casal se conhece. Meu avô nunca aprovou o relacionamento. Meu pai era como posso dizer... “de cor”, na verdade ele era descendente de indígenas sul-americanos. Minha mãe tinha o sangue dos europeus. Conheceram-se e em seis meses casaram-se. Acho que mamãe deveria ter ouvido o vovô.
Cena 2: Desde o útero da minha mãe fui um viajante, mudávamos de cidade como fugitivos. Eu odiava essa vida cigana. Morei em tantas cidades que já nem me lembro mais. Com o passar do tempo o passado do papai veio á tona, papai já havia se casado três vezes antes de conhecer mamãe, ele tinha uma dúzia de filhos e devia até a alma ao diabo. Foi quando ele começou a se tornar violento, brigava com minha mãe dia e noite, me batia sempre que lhe dava a oportunidade, aliás foi ele quem quebrou meu nariz. Certa vez o vi tentar matar mamãe a facadas, eu nunca mais fui o mesmo desde então. Foi nesse momento que decidi que não iria me tornar alguém como meu pai.
Cena 3: Quando eu tinha oito anos de idade meu pai faleceu, ao menos foi o que me disseram. Anos mais tarde descobrir por conta própria que o desgraçado ainda estava vivo, então o ajudei a fazer jus a sua certidão de óbito. Quando criança não me entristeceu a notícia da morte de papai, pelo contrário, foi motivo de grande alegria, finalmente ficaríamos livres daquele louco sádico. Foi ai que minha personalidade começou a ser formada...

ATO 2: Adolescência.

Cena 1: Minha infância acabou muito cedo, porém minha adolescência demorou muito para começar, entre uma e outro houve um período que eu chamo de “Era das trevas”. Eu só comecei a interagir com outros humanos aos meus 15 anos de idade.
Cena 2: Eu era o tipo de garoto introspectivo, sempre sozinho, meu maior vício era a TV. Meus tios costumavam me chamar de “Menino da lua”, pois eu tinha o estranho hábito de brincar sozinho. Um belo dia minha mãe me forçou a conhecer o vizinhos, foi a melhor coisa que me aconteceu.
Cena 3: Minha transformação aconteceu em uma velocidade fantástica, passei de um garoto tímido para um maluco falador, descobri que eu era engraçado, descobri que eu era inteligente, descobri o mundo, descobri a música, descobri as garotas, descobri o álcool, descobri as drogas e descobri que apesar de tudo isso eu ainda era o mesmo garoto solitário.
Cena 4: Minha cabeça fervia de idéias, a medida que conhecia novas pessoas aprendia algo novo com cada uma, aprendi a fazer filigrana, crochê, macramê, aprendi a tocar contra-baixo, violão, aprendi malabarismo, aprendi a atuar, aprendi a escrever. Comecei a escrever textos para stand-up, eu era bastante engraçado. Mas foi um dia em uma feira cultural que descobri o que realmente gostaria de fazer. Mágica.

ATO FINAL: Maturidade.

Cena1: Com vinte e três anos eu já era um dos mágicos mais prestigiados da nossa metrópole, com o passar dos anos as coisas só melhoraram. Aos trinta minha fama já se estendia por todo o continente. Aos quarenta eu já era conhecido mundialmente. Havia muito mistério a cerca dos meus números mágicos, não eram meros truques, eram os melhores truques, eram realmente impressionantes. Haviam os que diziam que eu era um bruxo, que tinha vendido minha alma ao diabo. A verdade é que dispunha da melhor ciência ao meu alcance.Só isso.
Cena 2: Quarenta e dois anos, essa era a idade que eu tinha quando fiz meu último truque. Último graças a um erro. Um erro assim tão vulgar, porém quase imperceptível. Um erro meu; foi o quê me destruiu. Sabe o que dizem “Um bom mágico nunca revela seus truques”, então, arquitetei o que seria o maior truque de todos os tempos, guardei segredo a cerca dos detalhes até masmo para minha sombra, eu o intitulei “Um encontro com Ades” e realmente se tornou isso...
Cena 3: Primeiro escrevi meu testamento. No mesmo deixei discriminadas as condições nas quais eu gostaria de ser enterrado. Primeiro não especifiquei herdeiros, nem o que deveria ser feito dos meus bens, apenas especifiquei onde gostaria de ser enterrado, numa cova feita no jardim da minha propriedade no Havaí, gostaria de ser enterrado dentro dum sarcófago que adquiri em uma viagem ao Egito, gostaria que o sarcófago fosse envolto por quatro pares de correntes grossas, presas por quatro pares de cadeados grandes. Estipulei que gostaria de estar vestido num smoking que fora do próprio Marlon Brando, a chave dos cadeados estava no tal smoking. Fui para o palco me achando o senhor do destino. Tudo ia bem, tudo ensaiado. Só não imaginei que não fossem respeitar minhas vontades póstumas. Não imaginei que fossem me trair.
Cena 4: Pode ser que por acaso, quem sabe talvez alguém um dia leia essas minhas memórias, registradas na tampa do meu caixão. Não sei se me sepultaram na minha propriedade no Havaí, com certeza não fui enterrado no smoking do Marlon, mas pelo vistos seus putos burro, lembraram de me enterrar na porra do sarcófago, lembraram das quatro correntes e lembraram também dos cadeados. Por tudo isso, muito obrigado, cambada de incompetentes.

E naquele belo sarcófago, enterrado sob o solo imundo de Niterói, “O Grande Vidal” passou suas últimas lastimáveis e sufocantes horas. Seus gritos não foram suficientes para salva-lo, sua fascinante mágica não o pôde transladar para outro lugar qualquer, seu dinheiro não pôde comprar o ar que veio a faltar, seus advogados não o puderam liberta dalí e apenas os mortos puderam ouvi-lo. A medida que as horas se iam o oxigênio também, a vida também, o tempo também. Os vermes chegaram, cearam e se lambuzaram. Do pó para o pó, porque “Quanto ao homem, os seus dias são como a erva, como a flor do campo assim floresce. Passando por ela o vento, logo se vai, e o seu lugar não mais será conhecido”.

“Duvidas quanto a misteriosa morte do grande mágico Luciano Vidal, também conhecido como “O Grande Vidal”, levaram o juiz Cézar Vieira a liberar a exumação do cadáver, depois de quatro anos finalmente o sarcófago do mágico pôde ser aberto, e para a grande surpresa de todos, no interior do caixão havia um texto, que aparentemente foi escrito pelo próprio mágico com a fivela de um cinto. Os peritos ainda investigam, mas tudo leva a crer que o mágico tenha sido enterrado vivo e que tudo não passou de uma tentativa frustrada de inovar no mundo da mágica.”
Folha cultural, Brasília, 15 de agosto de 2036

terça-feira, 14 de julho de 2009

Je T’aime


Sexta-feira, olho para o céu e peço forças para continuar, as vezes não é fácil. Eu durmo mal. Sábado, acordo, tenho pressa, o dia é cheio, eu mal como, mal descanso. Ás 21:30 eu percebo que estou ficando velho demais para isso. Domingo, meu corpo acorda, eu não, permaneço em estado hiperbárico. Cumpro minha função e sento-me á calçada, digo á ingenuidade” Não sei, mas me sinto cansado. Vou para casa”. Eu continuo dormindo. Segunda-feira, acordo numa poça de lama, imundo olho para o mundo, te encontro, eu “Olá”, você diz “Olá”, já não somos mais, estranhos. Terça-feira descubro que já a conheço á décadas, você não pode ser real, mas a alegria é incontrolável. “Sua voz é linda”; lembro-me que foi a primeira coisa que eu te disse. Quarta-feira, te quero e quero agora, você que hoje não pode, não pode, eu não posso me conter, mas espero. Mal durmo de ansiedade.Você mal me deixa dormir. Quinta-feira, o grande dia, arquiteto tudo, faço estratagemas, o tempo é curto. Tudo e todos parecem estar contra mim, por um segundo acredito que não acontecerá, mas lá está você. Eu te vejo subir as escadarias, desastrada, tímida, linda, sua voz é realmente linda, te olhar é como olhar no espelho.Sexta-feira 12, são três da manhã, eu sou impulsivo, afinal este pode ser o último segundo, seus lábios, seus cabelos, seus olhos, tudo, tudo que não me deixa em paz. Sexta-feira, o dia, nem me lembro como foi, a noite, inesquecível, um beijo sela despedida. Sábado, por que será que sou tão irrequieto? Eu sei o que acontecerá, tento impedir, mas é inevitável. Domingo, somos completos estranhos, somos estranhos e incompletos. Segunda-feira, você sorri. Terça-feira, você diz “Olá, quero conversar”. Quarta-feira, teu sorriso me basta, te quero tanto quanto antes. Quinta-feira, somos amantes. Sexta-feira, quero te ver. Sábado, as paredes não podem descrever o que presenciam, você diz que me quer e me tem, eu sou um tolo, seu olhar vesgo, sua franja, seu sotaque, tudo tão literal. Domingo, três da manhã, ainda estou contigo, posso ler a tua mente, posso lê-la, te conto um segredo, você não percebe e até agora não percebeu. Domingo, você confia em mim. Segunda-feira, somos um. Terça-feira, quero te ver, aprendi uma música que você gosta. Quarta-feira, você esta trancada em seu calabouço. Quinta-feira, “Sábado será o grande dia. Que dia vai dar?”. Sexta-feira, leio tua mente, você é mais delicada do que uma bailarina de vidro, eu te deixo cair, você diz “Não, por agora”, eu ouço “Nunca mais”. Sábado, você me risca da sua agenda. Domingo, não nos conhecemos. Segunda-feira, espero você voltar. Terça-feira, eu leio sua mente. Quarta-feira, você diz... Quinta-feira. Sexta-feira. Sábado. Domingo. Segunda-feira. Terça - feira. Quarta-feira... Depois disso os dias são só dias, nem me lembro o que fiz, nem o que me fizeram. Não tive a oportunidade de me apaixonar por ti, não tive a oportunidade de te amar e acho que nunca as terei. A verdade é que amo outra. Nem me importo. Mas te admiro. Um dia talvez, em algum talk-show, eu explique melhor essa história, você irá sorrir, eu também. Essa sempre será uma boa história.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sobre vendas.


Ainda era cedo; cerca de 7:42 da manhã. Fernando já se encontrava em uma mesa de canto da pequena lanchonete escolhida pelo “Comprador”. Ele gostava de chegar cedo em seus encontros, não que esse fosse um encontro comum, ele não estava lá para tomar um delicioso café da manhã com alguma garota, ele estava lá a negócios, por isso tal horário e local. Quem poderia imaginar um transação dessa magnitude a essa hora e em um local tão pífio? Fernando saboreava um café preto, não muito forte, não muito doce, exatamente do jeito que sua velha avó preparava. Ele era um rapaz de pouca idade, aparentava ter seus vinte anos, suas vestes eram do tipo que o deixavam imperceptível na multidão, ele era o tipo que poderia entrar e sair desapercebido em todo tipo de lugar. Algo o incomodava, um certo par de olhos que não se desviavam da sua pessoa, eram da balconista, uma cabocla, de lábios grossos, cabelos cacheados e um belo par de seios, ela o observava com afinco. Fernando soltou-lhe um sorriso amarelo e logo desviou olhar de volta para seu café, isso foi suficiente, logo viu que a moça escrevia algo em um pedaço de papel e caminhava em sua direção, ele pensou “Droga! Logo hoje?”, a jovem cabocla passou ao seu lado e delicadamente pôs o papel sobre a mesa, era um simples guardanapo dobrado ao meio com uma marca de batom vermelho-escarlate, Fernando o desdobrou, estava escrito “Mayra, 8415-1623, me liga!”. Fernando abaixou sua cabeça por um instante, sua consciência pesa pelo que iria fazer, mas ele amassou o papel e o atirou para longe, demonstrando um certo desprezo, e fez com que seu ato fosse visível o suficiente para que a tal moça entendesse o recado. Uma olhada no relógio acusava que já eram 7:55 e o comprador já estava para chegar, Fernando preparava-se para o encontro, afinal seria a primeira vez que veria o tal comprador, ele já havia negociado com uma “Conduíte”, mas um dos termos que Fernando exigia era que o contrato de venda fosse assinado na presença do próprio comprador. 8:00, tão exato quanto um relógio suíço era o tal comprador misterioso, Fernando se espantou com a aparência do comprador, não se parecia em nada com o que esperava, em sua imaginação ele estaria a mesa negociando com um “Marlon Brando” ou coisa parecida, mas o comprador parecia apenas um jovem excêntrico, realmente se vestia bem o suficiente para ser notado em qualquer lugar, Fernando só reconheceu de imediato que esse era o comprador porque o mesmo trazia uma flor de papel na lapela, assim como haviam combinado. Assim que avistou á Fernando o comprador exibiu um sorriso simpático e cordial, achegou-se a mesa, cumprimentaram-se -Bom dia Fernando! Disse o comprador com um tom de voz quase robótico.-Ótimo dia. É realmente um ótimo dia. Fernando olhava fixa e curiosamente para o outro homem. Então se sentaram.
-Algum problema, Fernando? Perguntou.
-Não, não. É que finalmente nos encontramos e... preciso confessar que o senhor me surpreendeu, não imaginei que fosse tão jovem. Disse Fernando enquanto examinava a feição do outro homem, ele ainda duvidava que aquele fosse o misterioso milionário.
-Eu ouço isso sempre. Mas não se engane com a minha aparência, sou bem mais velho do que pareço.Disse com um leve sorriso na face.
-Será que eu poderia saber seu verdadeiro nome? Só por curiosidade. Afinal nem sei como me dirigir ao senhor!
-Primeiro, não precisa me chamar de “senhor”, segundo; meu nome é “Louis”, fique a vontade para me chamar apenas de “Louis”.
Fernando acenou positivamente com a cabeça e falou –Certo, Louis, apresentação feita, que tal irmos aos negócios então?
-Você é bem apressadinho, já pensou que talvez esse seja seu maior defeito?
-É o que minha mãe vivia me dizendo
. Solta um sorriso.
-Muito bem! Mas primeiro eu gostaria de tomar um bom café e o café daqui é ótimo. Mayra! Poderia me trazer uma xícara de café? Gostaria também? Fernando fez que sim com a cabeça, então Louis gesticulou com a mão de forma que fizesse a garçonete entender. Me diga uma coisa, Fernando. Por que você decidiu vender logo para mim? Nunca ouviu historias a meu respeito?
-Primeiro, caro Louis, eu sou cético e não acredito nessas “histórias para boi dormir” e segundo...
A garçonete o interrompeu, colocando as duas xícaras de café sobre a mesa.
-Adoro o café daqui. Disse Louis e ingeriu uma golada. Você já conhecia esse lugar? Ah, mil perdões, você falava...
-Sim eu dizia que... segundo... você é o único louco o suficiente para pagar tanto por “isso”.
-Bons argumentos, bons argumentos.
Disse Louis enquanto entrecruzava os dedos das mãos e sorria satisfeito.
-Então você trouxe o contrato? Indagou Fernando.
-Evidente. De um dos bolsos internos do seu palito Louis retirou um contrato enrolado em forma cilíndrica e envolto com uma fita vermelha – Aqui está, leia com calma. Entregando o cilindro a Fernando. Fernando desenrolou o papel e começou a lê-lo minuciosamente, clausula por clausula, sem deixar nem se quer um vírgula para trás, pôs a mão na testa, pensou por alguns instantes, coçou a nuca, olhou ao redor, então voltou o olhar para Louis e disse – Pois bem. Eu concordo com tudo, negócio fechado. Agora vamos falar sobre o pagamento.
-108 milhões, dividido em 10 contas diferentes,assim que você assinar o contrato o meu pessoal transferirá o dinheiro imediatamente. Precisa de uma caneta?
-Obrigado, então eu só assino aqui, onde está o xis certo?
-Exatamente. Nome completo, por favor.

Fernando dá uma ultima olhada no contrato e começa a assiná-lo. Louis observa atentamente cada curva que a assinatura de Fernando ostenta.
-Pronto, está feito! Fernando devolve o contrato para Louis. Louis segurou o papel com firmeza e seu rosto exprimia um certo prazer, algo absolutamente ininteligível para Fernando, então Louis disse – Está feito, o dinheiro já está em suas contas.
-Deixe-me fazer apenas mais uma pergunta. Estou curioso para saber, por quê “isso” vale tanto assim para você?
Fernando inclina-se levemente para frente enquanto faz esse pergunta, em seu rosto estampava-se uma expressão de intensa curiosidade.
Louis sorriu e disse – Digamos que eu esteja no meio de uma guerra, e “isso” como você mesmo se refere poderia vir a ser uma arma importantíssima nas mãos do meu inimigo e eu pago qualquer preço para estar a frente do meu inimigo! Então se levanta, vira-se e começa a caminhar, mas antes mesmo de chegar a porta, para e dirigi-se a Fernando dizendo – Ah! Não se esqueça, jamais conte a alguém sobre esse encontro, jamais fale sobre o contrato nem a venda, mude de nome, saia do país, jamais revela a alguém onde conseguiu tanto dinheiro... e Fernando!... Lembre-se, você terá exatos vinte e três anos de vida, a contar de agora e quando o seu dia chegar não tente fugir, eu mesmo virei te buscar.Te vejo no inferno!