segunda-feira, 15 de junho de 2009

Psicodelia

Cenário: Um enorme gramado, algumas palmeiras ao fundo, uma cadeira.
Cena 1: Um homem se aproxima e senta-se na cadeira, ele cruza as pernas de forma afeminada, entre cruza os dedos das mãos, eleva a cabeça como que querendo obsservar com maior amplitude. Ele tem um olhar sereno; que transmite uma tristeza profunda e distante, cabelos despenteados, sua testa mostra sinais de uma possível futura calvíce, usa óculos grandes e pretos; daqueles com armação grossa que deixam quem os usa com ar de intelectual, rosto barbudo, sua barba é bastante falha; principalmente nas costeletas, suas orelhas tem os lóbulos levemente quadrados, detalhe intrigante. Sua indumentária é bastante modesta, calça, chinelos e camisa pólo.
(Momento de silêncio, o tal homem olha ao redor)
- Bom dia! Hum! Creio que vocês não me conheçam. Alguém aqui sabe meu nome? Não? Muito bem... Meu nome é Gentu, eu sei, nome estranho, mas podem me chamar de doutor G, ou sei lá Gentu mesmo. Bem... muito bem... Então, estou aqui hoje para dirigir a terapia em grupo. Por tanto, serei vosso terapeuta. Logo de início quero que vocês saibam que estão livres para não falar se não quiserem, eu aconselho que participem, mas... Bem para começar vamos nos apresentar, então, começamos... da esquerda para direta... Hum? Algum problema? Eu sei, você deve estar meio tímido, isso eh bastante comum. Que tal você? Hum? Não? Ok. Começamos por mim então, muito prazer meu nome eh Gentu Pantaleão, eu tenho vinte e oito anos, sou terapeuta, já estou na Clínica Santa Bárbara há três anos ,sou solteiro e como vocês também já tive sérios problemas com solidão, estive em depressão profunda, perdi doze quilos nesse período,inclusive foi quando descobri que ficava bem de barba, he he, mas foi fazendo terapia que eu consegui finalmente lidar com essa situação. Eu sei vocês devem estar se perguntando “Como assim?”. Realmente é meio estranho um terapeuta revelar a seus pacientes que ele passou por um problema similar ao deles, mas acho que é por aí que eu conseguirei mostrar a vocês que assim como eu consegui me livrar disso vocês também podem. Sim? Você tem uma pergunta? Não? Ok. A solidão, a solidão é um estado de espírito que independe da presença física de companhia. Acho que isso está bem claro para vocês. Certo? É como... como... comer! As vezes você come, come e mesmo assim ainda fica com fome, existem inumeras razões para isso, geralmente é ansiedade ou são vermes mesmo. Mas a questão é “Como podemos lidar com algo cujas as causas são tão amplas?”. Bem não é tão inexplicável assim, há varias razões para alguém se sentir tão solitário; emprego, família, vida sentimental, dinheiro, cada caso é um caso. É igual colocar piercing na genitália, só Deus sabe o que leva uma pessoa a fazer isso. Bem, no meu caso entrei em depressão por ter me frustrado diversas vezes em relacionamentos, era muito estranho, sempre começavam bem e depois desandavam, o mais estranho é que eu sempre atraia pessoas que não estavam de fato prontas para um relacionamento, é como se eu fosse um reserva. Sabem? Eu era um cara legal, tirava as garotas do poço, daí depois que elas já podiam andar com as próprias pernas... saiam andando. Simples assim. Eu me sentia o Fábio Júnior, só que é lógico que eu não pegava gatas como ele, mas quero dizer que tive diversos relacionamentos, toda semana havia um nome novo na minha agenda. Daí então eu decidi que tinha que esperar a pessoa certa. Mas como seber quem é a passoa certa? Bem, eu criei um critério de seleção, e fui estreitando as possibilidades, até que pimbaratuxa! Achei a guría, era o que eu havia pensado, mas de novo quebrei a cara, mas eu fiquei tranquilo, depois pimba! De novo e de novo e de novo. Sabe quando você fala pra uma criança “Não enfie o dedo na tomada!”? Ou “Tira a mão de perto da chama do fogão!”? Então foi exatamente assim. Algumas pessoas me aconselharam, mas... He he. Isso acontecia porque eu me perdia em meio a insegurança, vocês precisam aprender a compreender suas capacidades e limitações, só assim vocês poderão aprender a superar seus problemas, no caso a solidão. O fim dessa solidão, só depende de vocês. Sabe quando vocês passa anos procurando aquela figurinha premiada? Daí você compra todos os pacotinhos que você pode, você deixa de lanchar na escola e coisa e tal. Não é assim que funciona no mundo real, você tem que aprender a sair rasgando os pacotinhos que limitam sua mente. Hoje eu sou um homem feliz, realmente feliz, mas porque eu parei de ficar me iludindo, eu comecei a lutar, eu coloquei toda essa coisa de karma contra a parede e forçei até conseguir o que eu queria. E é isso que vocês tem que fazer, como eu sempre digo “Vocês são capazes de fazer tudo que for possível ser feito!”. Então o que vocês farão? Hum? Será que vocês não estão entendendo? Só depende de vocês! Vocês não precisam tanto de aprovação, nem de dinheiro, nem de carinho, vocês tem todo o necessário, é o mundo que precisa de vocês! Saibam que se hoje eu tenho um ótimo emprego, sim eu acho o meu emprego ótimo, se eu tenho uma vida financeira boa, se eu tenho todos de quem preciso, se hoje eu tenho uma mulher incrível e vocês não fazem idéia de quanto ela é incrível, é porque eu lutei contra esse sentimento de inferioridade, de derrota, de desânimo, é porque eu não desisti e vocês não podem desistir também. Vamos lá, levantem-se de suas cadeiras, vamos, vamos levantem-se, é sério, agora repitam comigo, repitam....
Cena 2: Uma mulher negra, gorda, vestida de branco, aproxima-se de Gentu lentamente enquanto o mesmo fala eufórico com seus pacientes e toca-lhe o ombro.
- Rafael!
- Cleide já te falei que meu nome não é mais Rafael! Gentu, doutor Gentu para você!
- Tá bom, como quiser, doutor...
-Além do que já te falei para não me interromper enquanto eu estiver com meus pacientes. Pessoal desculpe eu tenho que resolver uma questão com a enfermeira Cleide e já volto. O que é Cleide?
- Você sabe o que é! Pare de bobeira, é hora do seu remédio!
- Mas que droga. De novo? Mas eu num quero tomar...
- Vamos lá abrindo a boquinha, anda!
- Tá bom. Glupt! Prontinho já tomei, olha, tomei tudinho.
- Tá agora vamos voltar pra dentro...
- Mas cleide eu ainda não terminei...
- Pare com essa bobeira de terapia. Ande, já pra dentro!
- Tá, você é uma chata sabia?
- Sei você me fala isso todo dia.
- Cleide, mais tarde eu preciso ir ao banco pra...
- Humrum, banco, sei, faz o seguinte deixa pra ao banco outro dia. Tá?
- É... Cleide algum amigo meu ligou?
- Rafael você sabe que não tem amigos...
- E a minha esposa? Afinal ontem foi nosso aniversário...
- Rafael, você sabe que nunca foi casado!
- É.. eu sei.
- Então... por quê inventa essas loucuras?
- Não são loucuras. São estórias de vidas passadas que nunca aconteceram. Não por falta de tentativa, mas por falta de sorte, talvez.
Cena 3: Rafael e Cleide vão caminhando rumo a clínica, Rafael cabisbaixo, Cleide com uma mão em suas costas, Rafael boceja e demonstra estar ficando sonolento, talvez por causa dos remédios. No gramado, a cadeira de Rafael, de frente para ela algumas outras cadeiras, ocupadas pelos pacientes de Rafael, um simpático grupo de oito melâncias.

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