sábado, 17 de outubro de 2009

Ciclo vital – O grand finale

Seria mais ou menos assim, como que por sorte ou por advento do destino, eu haveria de ter passado pelo menos uma semana de ocorridos vastamente memoráveis á todos que estivessem ao meu redor. Uma semana, seria isso que pediria ao Pai celeste, ou seja lá qual for seu nome, ou seja lá o que é essa força que rege o universo. Mas de fato, sei que poderia ser pedir muito. Talvez o ocorrido se passasse na primeira ou segunda semana de janeiro, natal e reveillon são oportunidades ótimas para se entrar nos “Anais de casos engraçados da família”, é claro que começar o ano com a perda de um ente querido não é maçã-bananinha. Sim, acho que gostaria de morrer em janeiro!

Primeiro veio a minha caxola que seria menos doloroso e mais rápido morrer em um acidente, sim morrer em uma colisão frontal em altíssima velocidade, pronto, fim, mas por conseguinte me veio a visão da notícia ao chegar aos meus entes queridos, meu esposo, filhos (caso eu os tenha até lá) e familiares em geral. Imaginei, a cena de desespero, nesse tipo de acidentes, além da destruição de uma ou mais famílias alguém também sairia criminoso, o que seria um desfecho trágico para mim, trágico demais até. A cena do velório seria carregada de ódio, rancor, de lágrimas e indagações. Caixão fechado, isso com certeza aumentaria a dor, ser privado de um ultimo adeus á pessoa amada. Por isso, talvez uma morte mais clássica, clichê, fosse a melhor saída. Seria um dia como qualquer outro, um dia quente e carregado de secura, as crianças no quintal, ou ,não sei, talvez já fossem de idade suficiente para ter cada qual sua própria família. Meu esposo e eu assistindo á algum programa estúpido de domingo, relaxando nossas mentes de toda a metafísica existencial, e blá blá blás que cerca nosso mundículo. Talvez eu dissesse “Meu bem, tá um calor horrível, pega algo pra eu beber?”, ele como bom cavalheiro que é, assim espero, se levantaria prontamente, esquecendo-se da artrite e outras fadigas que assolam seu corpo velho (sim, espero já ser de idade avançada quando se passar o ocorrido) iria até a nossa cozinha, apanharia algo que me fosse aprazível. Mas ao retorno se depararia apenas com minhas carnes flácidas e enrugadas, estiradas no chão, ou mesmo no sofá, ou talvez próxima ao umbral da porta, sem vida. A expressão facial com a qual gostaria de me despedir desse mundo seria uma de paz, talvez isso servisse de consolo aos que me gostam. Eles diriam “Ela morreu em paz!”.
Gostaria que alguma dúvida pairasse sobre a minha fulminante morte, gostaria que coisas do tipo “Dizem que morreu de tanto rir” fossem ditas, ou “Assustou-se ao ligar a TV, depois de muitos anos sem assisti-la, e ver que Fausto Silva ainda era vivo” (se fosse Silvio Santos, tenho certeza que vocês também morreriam de susto, ou a Hebe).
Mas por fim, a verdade é que o tempo me levara o ultimo fôlego por falta de haver mais numerais na data de validade da minha embalagem. Os, átrios de meu decrépito coração começariam a se contrair e bombear o sangue no sentido oposto ao correto, causando fibrilamento no semi-átrio lunar, as válvulas não seriam capazes de estabilizar essa torrente de sangue que viajava as avessas, o que me levariam a uma morte rápida, seria como a pontada de uma agulha. Fim. Estaria findado assim meu ato, meu show, meu número. Deixaria alguns descontentes, outros saturados. Mas deixaria a vida na medida, assim espero.
Espero que meus chegados, entendam o porque de eu não querer velório, coisa que já aviso a muitos, tantos quanto posso, para que não haja dúvidas. Velórios são deveras tristes, onde deveriam haver homenagens existem por sempre lamúrias e desespero. Quero que entendam, que ali já não serei mais eu, e que se lembrem e cultivem apenas as imagens que de mim tiveram enquanto viva.
Do funeral, o funeral seria modesto, sem muitos fre-que-quês, gostaria de ser enterrada na fazenda da família, no Pará, nada contra cemitérios, mas é que assim me sentirei mais a vontade, em casa. Como epitáfio, e isso é muito importante, gostaria que constassem crivadas em minha lápide as seguintes palavras “Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte. Jo 8:51”
Assim espero me despedir da existência física, espero partir deixando muitos inquietos, espero ter incomodado e estimulado muitos, espero não ter deixado nada para depois, nem arrependimentos ou coisas incompletas. Espero que meu fim não seja apenas mais um ponto final, mas que seja uma vírgula para uns, uma interrogação para outros e ainda uma exclamação para alguns. E quem sabe, talvez ainda, para aqueles que imaginam uma vida pós morte, uma reticências.

2 comentários:

  1. Muito massa! " E quem sabe, talvez ainda, para aqueles que imaginam uma vida pós morte..."

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